Textos : 

Amar no Singular

 
Ele gostava de a esconder na sua manta feita de retalhos das suas vidas. Ela dizia-lhe que era ali que se sentia confortável, aninhada e se reconhecia. Ele cobria as costas com a manta, sentava-se no sofá e ela colocava-se junto a ele, com os ombros encostados ao seu peito. Então ele beijava-lhe suavemente o ombro, muito ao de leve, um ligeiro toque dos lábios e percorria toda aquela zona com pequenos movimentos circulares. Ela arrepiava-se e sentia mais que um toque de lábios; conseguia distinguir o leve roçar da barba que quebrava momentaneamente a profunda pacificidade que advinha daquela ternura. A sua cabeça caía para trás e encontrava amparo no ombro dele, e com o nariz percorria todas as saliências da sua orelha, como se a tivesse que descrever ao pormenor e imortalizá-la numa qualquer folha de seda. Estiveram horas naquilo, sem compromisso, até que ele lhe falou. Disse-lhe coisas inesquecíveis, palavras que a sua memória consumiu com a voragem do que é breve e raro. Ouve uma lágrima teimosa, livre, que lhe escapou à vergonha e se foi instalar no pescoço dele e ali se expandiu quebrando margens até ser completamente absorvida pelo seu corpo. Ele esperou mais lágrimas mas nenhuma mais sentiu. Só aquela livre e teimosa lágrima tinha a ousadia de eternizar uma promessa de amor, era a mensagem que ela não conseguia articular, continha as palavras que por medo ela nunca lhe diria. Talvez um dia, quando os deuses estivessem do seu lado e interferissem no que é dos mortais, ela lhe dissesse coisas parecidas às que ouvia e que desejava nunca ter ouvido, por se saber incapaz de as repetir. Então disse-lhe que não as merecia, que eram de uma beleza indigna e esbarravam na sua insensibilidade, sem se dar conta de que a lágrima que largara eram a prova de que as sentira. E ele chorou. Lágrimas saudosas de palavras, de provas concretas da reciprocidade daquele amor que já era o seu amor. Rolaram grossas corpo abaixo, sem que alguém ousasse absorvê-las, não eram de amor, eram da saudade que queima a quem ama.

 
Autor
Vivaldo
Autor
 
Texto
Data
Leituras
701
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
0 pontos
0
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.