Sopra de oeste o vento,
Vento enrolado e traiçoeiro.
Meto as mãos à frente para poder
Distinguir as realidades
E talvez me defender
Deste criminoso ataque.
Pousei os joelhos no chão,
Com especial pressão para a esquerda.
Quando a defesa é pouca,
E a memória nos arrasta para a fuga,
Olhamos para a esquerda.
O joelho é apenas seguidor.
Não finge, este joelho
Que como os outros enfraquece
Pelas gotas de amor que pingam escassas.
Caminhei duzentos quilómetros
Com o vento de frente,
Cuspindo as suas projecções,
Dizendo-lhe que estou farto,
Que quero mais que isto!
Quero flores e legiões de silêncio
Às minhas ordens.
Pé ante pé, o misto sentir
Da caminhada desembarca numa aventura
Por contar.
Encontrei uma cabana no deserto.
Lá dentro, um forte em forma de mulher
Falou-me de ventos de outras partes...
Falou-me que o vento ia rodar,
Que a cara ia deixar de sentir a dor,
Que as costas iam amar
A brisa que as iam empurrar.
Abracei-a como nunca tinha abraçado ninguém.
Os meus braços sufocaram-lhe a alma,
Que se esfumou em mil essências pelas gretas
Do telhado de cana.
Há duzentos quilómetros atrás tive medo.
Assustaste-me, disseste que não era nada,
Tapaste-me a boca, à força, para me calar.
Eu gritei que te amava, e depois soltei-me
Para poder falar no tom que hoje falo.
Andei duzentos quilómetros para poder falar.
Espreitei pela janela do deserto,
Esperando encontrar um oásis de águas paradas.
Apenas encontrei um forte em forma de mulher,
Que me prendeu pelos ombros e sussurrou:
Descansa, que amanhã o vento já será outro.
O que vai para trás ficou
No vento que amanhã já será outro.
Duzentos quilómetros depois,
O vento parou.
Empurra-me agora para onde vou,
E se um dia tiver de andar contra ele,
De novo,
Vou sem medo de lhe gritar:
Para Oeste rumou o novo mundo,
Não és nada mais que o novo mundo
Na força de outro qualquer!
Texto nº200 no Luso-Poemas