Escondo-me egoisticamente, covardemente, dolorosamente, atrás de uma caneca enorme de chá que me escorre pela garganta deixando-me fresca e quente ao mesmo tempo.
O que tinha para fazer acho que já fiz, agora queria deixar-me ficar aqui sozinha – uma bola de neve horrível, nojenta e pegajosa que são os meus sentimentos para comigo e para com os outros. Os piores são os que tenho de mim para mim (gosto desta expressão mas ainda não consegui perceber bem o seu significado). Esses sim, matam-me ou tiram-me vida:
- O peso de muitas toneladas que sinto por estar aqui e não estar noutro sitio qualquer a fazer algo que dê verdadeiro significado a um dia eu ter sido parida.
- O peso de muitas toneladas por me deixar estar aqui atrás desta caneca de chá e não ter coragem para ir para a varanda sentir o vento na cara, uma das coisas que mais gosto de sentir.
- O peso de sentir este peso e o peso de sentir este peso de sentir este peso. Este peso exponencial é o que dá mais cabo de mim. É ele que fica agarrado às minhas pernas e não me deixa voar, e quando voo, puxa-me para baixo numa queda livre que não controlo.
Deito as mãos ao peito e quero arrancar o que quer que esteja aqui ou que me tenham posto aqui que me dá este sufoco. Ai, ai, ai, isto dói, quem me tira isto? E como é que eu faço para deixar que me tirem isto? Como é que eu faço para imaginar uma vida em que não tenha este aperto, como acreditar que essa vida também existe e foi, com certeza, a razão de eu ter sido parida?
Agarra nas pernas e levanta-as daqui. Pega no chá, acaba com ele de um trago e vai para a varanda. Leva a caneca para a cozinha para não deixares o quarto desarrumado. Arruma a mala, faz o que tem de ser feito, são 19h15 e ainda tens um dia para salvar.
Shepherd Moon