Lembra da ruazinha de pedras, aquela vila de casinhas geminadas? Cada uma delas tinha um jardim na frente. Você gostava daquela que tinha uma roseira amarela. Você sempre gostou mais das rosas amarelas.
Agora, a vila é um estacionamento. Demoliram as casinhas, olha.
E eu nunca tive coragem de roubar uma rosa amarela pra te dar.
Lembra quando a gente ia a pé até a padaria só pra brincar com o Fiel? O vira-latas que vivia naquela casa bonita, colorida por mosaicos de azulejos portugueses que você amava! Lembra do Fiel? Ele corria no portão e fazia festa com qualquer um que lhe desse um pouco de atenção. E de carinho.
E desconfio que ele gostava mais de você…
Lembra daquela pequena loja japonesa? A, do fotógrafo? Ele colocava um mundo de fotografias dos clientes na fachada. E a gente ficava lá, um bom tempo, procurando um rosto conhecido. Nunca achamos um retrato nosso.
Olha, agora é uma lan house.
Ah, a praça… Era aqui que as quermesses aconteciam. Que saudade daquelas noites frias. Você me pedia para aquecer as suas mãos…Lembra?
Lembra do correio-elegante? E da música que eu lhe ofereci naquela noite de São João, quando você estava começando a namorar aquele garoto sem graça da sua rua? Lembra? Eu mandei Paul McCartney… “My Love”. Ah, você se derreteu.
Lembra?
As quermesses acabaram. A praça também. Olha, lá. Agora é um terminal de ônibus. Cheio de gente cansada, sofrida. Vê?
Tudo mudou por aqui.
E eu que estive tão longe, por tanto tempo.
Como eu lamento, meu amor, não ter vivido ao seu lado enquanto isso tudo acontecia.
Como eu queria acreditar que você está aí, me esperando. Confiante na minha redenção.
Como eu queria acreditar que você me escuta neste exato momento.
Mas não creio, não creio…