O Primo
Dona Terezinha acordara as crianças mais cedo, para dar tempo de arrumá-las, antes da chegada, de Sebastião, primo distante que viria da visitá-la. Estava nervosa, ainda não concordara com a idéia da tia Malvina, mãe de Sebastião, sobre o possível casamento do primo... Mas, a tia encasquetara que seria bom, para ele e para dona Zulmira, viúva de boa situação e já passada dos anos, louca parta arranjar um novo marido. Não, que ela tivesse nada contra a viúva, que apesar da verruga no queixo ainda era bonitona e de boas carnes. O problema era Sebastião... O primo nascera prematuro e tão pequeno que nem usara berço, ficara até seis meses numa caixa de sapatos arrumada com flores de algodão para evitar que se assustasse, com o barulho, vindo do mundo. As rezadeiras foram chamadas para que com suas rezas benzessem o menino, mas estas achavam ser tempo perdido, ele não vingaria... Cercado de cuidados sobreviveu e se tornou um homem até bonito, porém de miolo mole... Ficava dias e dias sem falar com ninguém e se recusava a colocar qualquer espécie de roupa. Quando menos se esperava saia do quarto e falava pelos cotovelos, fazia gaiolas para prender passarinhos ou perdia horas soltando pipa. Aprendera um pouco de leitura com um velho professor que ia a sua casa, pois não conseguira ficar muito tempo na escola... O pai morrera quando ele tinha oito anos, e a mãe; contra todos os conselhos dados pelos parentes, o levou para ver o enterro do pai. O menino ficou apavorado quando os coveiros jogaram terra sobre o caixão. Gritava que o pai ia ficar sufocado, mas a mãe dura como sempre, achava que era melhor ele ver tudo, do quê ficar contando mentiras sobre o fato, não queria criar um maricas. Depois disso Sebastião ficou pior, tinha pavor de lugares fechados e o cheiro de velas o deixava sem ar. Esta era a razão de não ir à igreja... Dona Terezinha tinha muita pena do primo e achava que ele era mais normal do que a maluca da mãe dele. Ele era apenas uma pessoa sensível, que teve de conviver com uma mãe, neurótica, pensava. Em criança ela até brincara com ele que era muito habilidoso, consertava suas bonecas e fazia pequenos móveis para ela brincar de casinha. Ele gostava também de tocar uma velha gaita que ganhara de presente. Um dia foram pescar num riacho escondidos da tia, o Lucas um menino filho do caseiro o ensinou a preparar a isca e ficar sentado esperando a mordida do peixe. Sebastião aprendeu rápido, porém quando pegava algum o devolvia pra água com pena de matar o peixinho.
Fazia tempo que ela não o via, pelas contas ele deveria ter uns trinta anos. A tia falara que ele nunca namorara ou tivera mulher, era virgem... Portanto precisaria de uma mulher mais velha para ensiná-lo a ser macho. Dona Terezinha deu de ombros, bom ela era mãe, devia saber o que estava fazendo... O almoço já estava pronto e antes de ir se arrumar chamou as crianças para recomendar que elas não deveriam irritar o primo. – Bom, vocês já estão crescidinhos e vou recomendar mais uma vez para não ficar perguntando bobagens para o primo Sebastião. – Lilá, a menorzinha falou. – Paizinho disse que o primo é maluco... – Dona Terezinha ficou zangada. – Não repita esta bobagem, menina, ou vai ficar de castigo. Já falei que não é pra ficar fazendo perguntas e ponto final.
Finalmente as visitas chegaram e aos olhos das crianças não tinha nada de anormal no primo da mãe. Ele parecia encabulado, não fava muito e tinha sempre os olhos baixos. Dona Malvina é que se metia em tudo, até o prato dele ela fazia, o coitado queria comer goiabada e ela não deixou, falou que ele tinha piriri quando comia goiaba. O rapaz ficara vermelho de vergonha. A tal noiva ficava se jogando pra ele que parecia nem reparar, estava mais interessado num caminhão feito de lata, que o irmão de Lilá não largava.
Estavam todos na sala conversando e Lilá não desgrudava os olhos do rapaz a procura de algo que mostrasse que o pai tinha razão. Até agora o primo Sebastião não tinha nada de mais, era igual a todos os adultos que conhecia. Meio decepcionada já ia saindo da sala quando reparou nos pés do rapaz.
- Mãe, o papai tinha razão... Falou no meio da sala. - O primo Sebastião é maluco mesmo, ta com uma meia vermelha num pé e uma azul no outro.
Jacydenatal
16/07/2007
jacydenatal