A minha estreia foi agendada para as 5 horas da tarde. Ainda antes do almoço, já se encontravam cartazes que apresentavam-me como o ''orgulho'' da Nazaré... Senti-me mal com tudo aquilo, eu não me achava nada especial! Porém, mostrava-me bastante ansiosa com aquela minha inesperada estreia. Comprei um vestido negro e levei um xaile da minha avó para a estreia. Era aquela a minha grande oportunidade, pois iria ligar para sempre Lisboa à Nazaré. O fado que iria cantar seria a resposta à tua pergunta. Quando entrei, já lá estavas. Faltava apenas meia hora para as 5. Junto ao balcão estavam a minha avó, o meu primo e tu. Tu, claro que vieste em minha direcção. - Estás tão bonita! Achas que já tens resposta para a minha pergunta? - Tenho. Mas já ta digo. - Mas que beleza é esta? - Perguntou o primo Artur. Cumprimentou-me. - Nervosa, Mariana? - Muito, primo. - Ai, isso passa, filha. - Confortou a minha avó. – Primo, vamos, ainda temos muito a fazer! E assim ficámos novamente sozinhos. O tempo abrandou. Cada segundo era o infinito. Sim, um infinito de planos e ideias correram. Eu queria ficar contigo, para sempre… - Mariana, desde ontem que tu não me sais da cabeça! Diz-me quando podemos nós estar juntos. Eu sei que sentes o mesmo! Eu amo-te Uma alegria subiu-me e abracei-o, calmamente. - Depois desta noite tudo se vai resolver… - Sussurrei-lhe. Tocaram as 5 badaladas da tarde. - Olha… - Fica comigo, Mariana! – Disseste envolvendo-me mais no abraço. - Eu prometo que depois disto vamos até à praia e conversamos! Mas antes pede autorização à minha avó! - Farei tudo o que me pedires! - Ora muito boa noite, senhoras e senhores! O café do Velho Pescador tem a honra de apresentar a voz mais jovem da Nazaré! Chama-se Mariana e vai cantar o fado! Uma salva de palmas por favor! – Anunciou-me o primo Artur no palco. Subi até alcançar os guitarristas. - O que quer que toquemos, Mariana? - Tudo isto é fado, por favor. Os guitarristas acenaram e eu voltei-me ainda aplaudida. O primo Artur sossegou a plateia ao ouvir os primeiros soluços das guitarras. Vi-te a sentares-te numa cadeira, numa mesa afastada, junto à janela. Fitaste-me com toda a atenção. E cantei. Perguntaste-me outro dia Se eu sabia o que era o fado Eu disse que não sabia Tu ficaste admirado Sem saber o que dizia Eu menti naquela hora E disse que não sabia Mas vou-te dizer agora
Surgiu um silêncio sepulcral em toda a taberna. O público assustava-me, por isso cerrei os olhos e cantei com toda a força e alma que tinha.
Almas vencidas Noites perdidas Sombras bizarras Na mouraria Canta um rufia Choram guitarras Amor ciúme Cinzas e lume Dor e pecado Tudo isto existe Tudo isto é triste Tudo isto é fado
Depois num momento, abri um pouco os olhos e reparei no contentamento de quem me assistia, vi-te a levantares-te do lugar escondido e a dirigiste-te para a minha avó. O medo surgiu, mas antes de até ela chegares pude cantar as tuas notas.
Se queres ser meu senhor E teres-me sempre a teu lado Não me fales só de amor Fala-me também do fado É canção que é meu castigo Só nasceu p'ra me perder O fado é tudo o que eu digo Mais o que eu não sei dizer
Tu inicias-te um diálogo lento com a minha avó.
Almas vencidas Noites perdidas Sombras bizarras Na mouraria Canta um rufia Choram guitarras Amor ciúme Cinzas e lume Dor e pecado Tudo isto existe Tudo isto é triste Tudo isto é fado
A minha avó olhou para mim enquanto as guitarras tocavam uma última vez. Ela olhou-me como se esperasse resposta. Improvisei um ‘’sim’’ com a cabeça e depressa ela voltou-se novamente para ti.
Amor ciúme Cinzas e lume Dor e pecado Tudo isto existe Tudo isto é triste Tudo isto é fado
Ao terminar, todos aplaudiam-me de pé. Senti uma alegria tal, quando tu voltaste-te para mim de sorriso nos lábios. Abri os braços para abraçar todo aquele sentimento. Para abraçar todos aqueles sorrisos e ‘’vivas’’, todo aquele amor. As refeições foram servidas e antes de os clientes celebrarem todo aquele festim, o primo Artur subiu ao palco e disse: - Bem vos disse que esta rapariga aqui tinha uma voz de ouro! Mas como alguns já se deram conta, as refeições estão a ser servidas. Dentro de pouco tempo Mariana irá voltar com o fado ‘’Solidão’, mas agora vamos dar à nossa fadista um descanso que esta foi a sua grande estreia. Uma salva de palmas por favor! Surgiram mais aplausos, dirigi-me até ti e até à minha avó, receando ouvir resposta negativa. - Mariana, o António pediu-me uma coisa… - Sim, avó? - Ele perguntou-me se podiam dar um passeio, agora! - E o que é que a avó lhe disse? - Concordei, claro. – Ela sorriu num modo de expressão divertido por entre aquele jogo de serenidade. – Ah! Saiam antes pelas traseiras para não darem incómodo. Mariana tenta voltar às 5 e 40, por favor. Agora vão lá! - Vamos! – Disseste tu dando-me a mão com suavidade…
Pedro Carregal
Este 4º capítulo recorda o fado: Tudo isto é fado. Espero que estejam a gostar desta história, agradecia também, que se algo estiver no desagrado geral que deixem as vossas opiniões nos comentários, por favor.