Acordei com o nascer do sol no dia seguinte. A minha energia era tal que tinha já adiantado o trabalho da minha avó. A minha avó quando acordou, ficou surpreendida por aquela energia e chamou-me. - Mariana, sentes-te bem hoje? - Nunca me senti tão bem! - E esta energia deve-se toda ao pescador? Senti-me corar, mas não podia mentir. Era de ti que eu gostava, que eu amava! Sentia isso! Confirmei as duvidas da ti Antonieta, a mulher talvez mais sábia da aldeia. - Se é com ele que Deus quer que estejas, então eu não te proíbo. - Obrigada avó! - Abracei-a como se fosse o último momento que estivesse-mos juntas. Era bom receber convicção de alguém que temos respeito. - Segue o teu destino, o teu fado. O fado não significa só má sorte. Mas está atenta, filha! Nunca se sabe se um homem ama ou não uma mulher. Compreendi aquele aviso e abracei novamente a minha avó. - Bem, eu vou abrir a taberna. - Eu já a vou ajudar, avó. - Até já, filha. E a minha avó saiu. Ouvi os passos dela lá fora na rua. Fui apanhar a roupa . Enquanto apanhava as peças de roupa cantava o fado. O fado de cada um.
Bem pensado Todos temos nosso fado E quem nasce malfadado, Melhor fado não terá! Fado é sorte E do berço até a morte, Ninguém foge, por mais forte Ao destino que Deus dá!
Lá em baixo, na rua, passavam peixeiras, conhecidas minhas. Elas ouviram-me cantar e falaram-me: - Ó Mariana! Rapariga, estás sempre a cantar! Mas tu nunca paras? - Gritou-me a mais velha. - Parar é morrer! - Respondi-lhe. - Bem dito e bem certo. -Respondeu-me. Desde que sejas feliz... Adeus! E começaram a caminhar pela rua. E eu cantei o fado delas.
No meu fado amargurado A sina minha Bem clara se revelou Pois cantando Seja quem for adivinha Na minha voz soluçando Que eu finjo ser quem não sou!
E elas agradeceram e foram, com aqueles versos cantados no coração. E eu retomei.
Bem pensado Todos temos nosso fado E quem nasce malfadado, Melhor fado não terá! Fado é sorte E do berço até a morte, Ninguém foge, por mais forte Ao destino que Deus dá!
Então notei que ali estavas, na rua olhando-me, como se fosses o único público daquela minha actuação. - Ó Mariana! - Gritas-te. - O que é o fado? - Não sei! - Respondi. Pareceste admirado perante aquela resposta. Como se eu tivesse errado o significado de uma palavra facílima. Como se tivesse feito uma conta errada. - Eu tenho de ir, mas já volto! Então cantei-te.
Bom seria poder um dia Trocar-te o fado Por outro fado qualquer Mas a gente Já traz o fado marcado E nenhum mais inclemente Do que este de ser mulher!
Lançaste-me um beijo e acenas-te. Deste alguns passos em frente, até ao fim da rua. Depois voltaste-te de novo para mim e gritas-te: - Eu volto! - Por fim desapareceste.
Bem pensado Todos temos nosso fado E quem nasce malfadado, Melhor fado não terá! Fado é sorte E do berço até a morte, Ninguém foge, por mais forte Ao destino que Deus dá!
Quando voltei a olhar para a rua, vi um homem de chapéu na mão, acabado de tirar. - Ó menina! - Chamou. Deduzi que estaria a falar comigo pois para mim olhava. - Diga! - Respondi. - A menina tem uma bonita voz! Já pensou em mostrá-la? - Mostrar a quem? - Ao bom povo da Nazaré! - Não, muito obrigada mas tenho mais que fazer. Talvez a mostre se precisar. - Então se precisar venha à taberna d'O Velho Pescador, não sei se conhece... - Conheço, muito bem. É a taberna da minha avó! Mas acho estranho a minha avó mandar para lá cantadeiras! - Eu é que lhe sugeri. Ela confessou-me que o negócio ia mal e então eu sugeri-lhe a fazer daquilo numa casa de fados. Mas se a Antonieta é sua avó, então você deve ser a Mariana. - Sou pois. - Bons olhos te vejam. Não te lembras de mim? Sou o teu primo Artur, aquele primo da tua avó. - É bom reencontrá-lo primo! Espere que eu já desço...
Pedro Carregal
Este terceiro capítulo faz homenagem a um dos grandes sucessos de Amália Rodrigues enquanto jovem, O Fado De Cada Um.