Você era o meu menino mais menino, aquele que me fazia graças, me cantava uma canção, me olhava fundo nos olhos; lia o meu co-ração... E calava... Fazia pausas tão longas... Que eu me esquecia da dor, só para pensar no seu amor. Um amor... Tão puro... Vindo dos seus gestos nas horas de lucidez; você me chamava (maninha), sorria pra mim tão feliz e eu te compreendia, calava também, numa cumplicidade que só a nossa loucura ou a nossa alegria conhecia.
Mas você partiu. Assim, de repente, numa noite tão fria me dei-xou sem sorriso e sem alegria e uma cadeira vazia. De você fica-ram: as lembranças, minha dor... E para sempre, uma nostalgia; uma presença que sinto nas coisas mais sutis, uma canção que, ao longe, ouço no rádio, nas manhãs de domingo, nos fins de tarde, naquele papo no terraço, onde ali estavam presentes apenas o vento e os nossos sonhos e recordávamos com tanta ternura nossa infância, nossa família, as brincadeiras de menino, as aventuras - doces aventuras! - como subir nas árvores, para colher os cajás, que os galhos da árvore vizinha nos ofereciam, doces frutos, quan-tas travessuras... Mas, também tantas lembranças de momentos duros em que nós, hoje, transformávamos em papos alegres - e co-mo ríamos! - e o confortável desta conversa era tê-lo ao meu lado, agora homem com ares de menino, uma meiguice não tão trans-parente para alguns.
Para fazer tua leitura sempre foi necessário Filosofia, Arte, sen-timentos e sentimentalismo. Um coração de menino, voz de ho-mem. Eterno sonho, eterno sonhador, envolto nos encantos da sua fantasia. Foste feliz no teu mundo de sonhos. Fizemos tantas via-gens, embalados pela brisa das frias tardes e na solidão do inverno dos que amam o que não é amado; dos que compreendem o que não é falado; dos que sentem o que não é sentido; dos que desejam e não são desejados; dos que doam, mas não lhes dados olores em forma de amores. Sinto saudade; não sinto tristeza, pois a saudade é o sentimento que mais aproxima os que se amam; a saudade é a ponte que mantém unidos os corações; a saudade é a canção inevi-tável dos que dizem adeus ou apenas dos que amam sem ter perto o objeto amado. Vivemos assim: lado a lado... Silêncios falados, amor sem par. Companheiros de tantos invernos. Fomos cobertores um para o outro, naqueles momentos em que a alma tremia no frio do medo, diante do que estarrece... E uma gratidão que só nossos corações conhecem; fomos felizes. Vivemos um amor que não morreu. Você partiu e me deixou um legado: a certeza de que a-mamos, mas nem sempre somos amados. De nós, sei com certeza que o amor foi o nosso maior elo. Você foi o meu poeta; o filósofo, por mim, mais lido; o meu cantor; o meu artista preferido; o meu irmão mais velho; o meu menino mais menino; o meu palhaço pre-ferido; a ovelha que não era negra; o profeta; um mix de tudo no amor traduzido.
Você me deixou, mas ainda ouço tua voz, ainda canto contigo. Você me chega às vezes numa manhã... Na canção que cantam as folhas do cajueiro; no Sol que bate na janela do teu quarto; numa cadeira que alguém, por descuido, esqueceu num canto, onde quando, com saudade, deito e durmo, como para te ouvir, como para te sentir mais perto; numa espreguiçadeira que era a tua cama preferida. Ali sentavas, distraído, sem se preocupar com o tempo... Eu, ao teu lado, te olhava, querendo adivinhar que misté-rio tinha teu olhar naquele instante e neste momento pairava so-bre ti uma magia; uma doce inspiração; um segredo tão teu que ninguém pode saber; que pensamentos te rondavam e te faziam tão sério e naquele olhar profundo guardavas a vida em silêncio dos que gritam e não são ouvidos. Por tudo isso, nos amamos, co-nhecíamos o meu e eu o teu silêncio e na prece, que continha este silêncio, cada um era seu...
(Ednar Andrade).