Noite fria e mal passada a de ontem...
Hoje me despertei pela madrugada
Vi chegar "Aurora dos dedos rosados"
E Febo beijando a relva orvalhada...
Pardais num chilrear chato e triste...
Vi três cisnes voando em vértice...
Peito nu... Recebo raios rubros do sol
Que chega a todos... A todos os lugares
Num constante conúbio sem fim...
Uma Betelgeuse e uma Antares
Ardem aqui... Dentro de mim...
É um filho que pede para nascer.
Sinto uma forte e dolorosa contração...
Queixo na mão...
Papel e caneta...
Caderno brochurão...
Vai vim à luz um poema...
O canto de hoje é para ti... Encantadora.
Lúdico universo com poucas constelações
Onde nasci... As trevas fizeram temporada
Furtando-me tudo, dos eflúvios, sensações...
Palavras flutuando, se chocando, pululando...
Os sentimentos eram apenas estrelas anãs...
Veio-me tu, um astro azul, me encantando
Com palavras veludosas, volúpias das manhãs.
Depois, mais palavras. Palavras lindas palavras
Eruditas, inusuais, que se usam, que se sentem
Como pelúcia macia que toca o tecido... A derme...
Palavras perfumosas, odorosas, coloridas, mágicas
Palavras belas feras, cães que ladram, serpentes
Que se enroscam e apertam até que a boca se abra
Para que se possam pingar, gota a gota, o fatal veneno...
Quem se encontrava por detrás de tal magia?
Lábios mutantes, multicolores, metálicos
Olhos monocromáticos (seriam azuis ou seriam verdes?)
Por onde respira a poesia e todo o mundo se recria,
Coexistindo, coabitando, invadindo todo meu coração,
Fazendo do mundo-seu, do mundo-meu,
O mundo-meu-seu-nosso...
Vieste no bico de uma ave alada de enormes asas,
De esbranquiçadas plumagens e penugens,
Entrecortando-me, transpareceu diáfana, translúcida,
Maga, fada, Deusa Encantadora dos Homens Nus
De palavras, com palavras, com tudo, com nada...
Uma doce beleza pura, ametista rara... Que abala
Uma voz que não se ouve... Se sente... Não se cala...
Borboleta das asas de luzes douradas emanadas,
Devoradora de poemas, de homens e de canções,
Mobilizaste esse meu coração cigano num porto seguro,
Tornaste densa a lacuna que preenchia minha alma...
O furo...
Sopraste em mim o vento
Da transcendência.
Em ti faço acampamento...
Fazendo-te reverências...
Minha querida, minha amada,
Em ti... Encontrei a luz...
Achei morada.
Gyl Ferrys