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Homenagem a Simba (Até que o vento nos separe)

 
Mais uma vez vagueio, à deriva no frio quarto. A vida, nestes últimos dias correu-me pelos olhos. Chorei, sorri, diverti-me, fui quem eu sou, por mais dúvidas que eu tivesse.
Com ''Os Maias'', ''Crepúsculo'' e ''A Odisseia'' pousados na minha cama fecho os olhos à ignorância.
Considero-me do povo por viver em casa instalada no meio do campo, entre duas grandes cidades da margem sul do Tejo.
Atrás de mim, permanece o meu santuário. Esse santuário não é um altar de culto a qualquer deus ou deuses, santos ou santas, mas sim ao que já foi meu. Ao que será sempre meu, o meu cão Simba.
Bastante banal e talvez infantil fazer uma homenagem a um factor da minha existência. Porém a minha vida nunca foi fácil...
Arranco da minha alma, uma má recordação e uma boa talvez.
Lembro-me que no dia em que o Simba chegou à minha casa, tinha eu agendado a minha morte, no abandono da manhã. Três desgraças fizeram-me tomar tal decisão, errada e louca.
Fui acordado, nesse mesmo dia pelo telefonema da minha mãe que avisava que a minha tia (irmã da minha avó) estaria prestes a chegar para entregar umas coisas.
Não sei porquê, mas surgiu-me, primariamente que essas ''coisas'' eram peças de louça. Amansei a ideia de suicídio e planeei-o para depois da chegada da minha tia. Porém tudo mudou.
Um bater pesado na porta de metal fez-me caminhar a passos apressados até à porta. Quando a abri fiquei estupefacto. E quem não ficaria, ao ver um cão de cerca de 3 meses a ser entregue ao nosso colo?
Agarrei-o e quando a minha tia se foi após uns 15 minutos eu fiquei a olhar atentamente para a criatura. A ideia do suicídio e das 3 desgraças foi varrida como pó. Julguei que aquele seria o cão que me acompanharia até à sua morte, algo que nunca aconteceu pela minha vida ''pesada''.
Afastando as ironias do destino, aproveitei aquela vinda de um novo membro da família e esqueci tudo e comecei uma nova história.
Ao fim de duas semanas, fui para o Algarve com a minha mãe e com o meu irmão, secretamente. Isto por outros motivos... O Simba ficou alojado na casa de uma amiga da minha mãe, que por coincidência era avó de uma colega de turma.
No Algarve vivi aquelas duas semanas com o expoente máximo de liberdade comparado com as minhas vivências passadas.
Foi lá que surgiu o poema ''Na Morte de Um Novo Amor'' onde cantava os versos enquanto os escrevia e desde então canto sempre esse poema assim como o ''Lume'', ''Quadro Teixeira'', ''Carta'', ''Arrependimento''e outros.
O Lume foi o auge anterior quando também o cantei e escrevi, mas isso é outra história.
Acalentado pelo desejo, saudade e esperança de voltar, escrevia e chorava todas as noites, sentado numa cadeira na varanda do hotel.
Quando voltei a felicidade voltou. Reencontrei Simba. Foram as melhores semanas do ano, porém a primeira desgraça voltara a bater à porta, o Amor.
Quando regressei julguei ser amado e considero-me enganado pela tentação. E como eu escrevi, ''Esqueci-me de quem me mais apoiou. Amei quem de mim se aproveitou''
Nas semanas seguintes o Simba ficou preso no meu quarto onde ocorreram, imprevistos e em breve toda essa área foi tornada numa prisão para ele. E eu nada podia fazer. Horários rigorosos impediram a minha força e normalidade em cuidar de tudo.
Mas, numa semana houve uma discussão, digamos, amorosa. Sem conseguir chorar caminhei pelos quartos procurando o suicídio. Antes de o fazer, o Simba pressentiu algo nas paredes do meu quarto e ladrou, cada vez mais alto.
Com medo de ser descoberto pela minha mãe, cortei a minha mão sem remorsos... Voltei ao quarto onde o meu cão estava e abracei-o, com todas as forças.
Os dias passaram e por ironia do destino o Simba foi para onde o novo capítulo da minha vida me tinha levado. Algures no Algarve ele está.
Foi levado pela falta de condições que eu lhe propus com o mundo exterior. Dei-o não por não ter condições de eu viver, mas sim por não ter condições de o ver sofrer. Adiante...
Ele partiu e chorei, baptizei o fado Abandono, fora posteriormente chamado de fado de Peniche para fado de Simba.
Levaram-no com a promessa de enviarem novidades e fotografias tão desejadas.
Voltei a viver na escuridão da poesia mórbida que eu estive destinado. Agora, que a vida me passa pelos olhos, retiro a banalidade do acaso e reponho-a para vós, que certamente não terão vagar para lerem tal lamento infantil.
Pelo menos, disse-lhe obrigado na hora em que ele foi levado. Mas, e notem que existe sempre um mas, voltarei a encontra-lo. Voltarei a abraça-lo pelo que de mim salvou. Salvou-me e uma morte indigna duas vezes.
Quando o dia voltar, voltarás também. Nunca recebi fotos daquele tão adorável pastor-alemão. Nunca tive remorsos pelo que me obrigaram a fazer. Nunca! Apenas digo que estou feliz enquanto ele assim o estiver. Ao menos ouves o vento, ao menos ouves o mar...


Pedro Carregal


Com lágrimas no rosto deixo um pedaço da minha forma de vida.
 
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PedritoDomus
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 27/12/2010 00:35  Atualizado: 27/12/2010 00:35
 Re: Homenagem a Simba (Até que o vento nos separe)
Boa noite...
Tenho lido os seus textos, sem nunca os comentar...
Mas este tocou-me de forma bastante profunda,devido a certos pontos abordados por si...Um dos quais o seu amor por o seu bichinho, muitas vezes o digo, um cão é o melhor amigo do ser humano...
Um bem haja para si Pedrito
Bom 2011, que lhe traga a paz tão desejada, são os meus votos sinceros, afinal é tudo o que o ser humano busca...
Medusa