Deu um abraço apertado na filha e, no genro, um beijo e um tapa na bunda. Vai tranquila, eu fico bem pois o moço aí toma conta direitinho de você, que eu sei. Acenou mais uma vez e ficou olhando até os dois entrarem no carro. Ah, que delícia. Tem coisa melhor do que ver um rebento feliz?
Antes de pegar o elevador foi falar com seu André, o porteiro:
- Tem bastante criança lá na sua rua, não tem, seu André?
- Ih, dona Rita, criança, lá, é o que não falta!
- Tá certo, então passa lá em casa antes de ir embora, tá bom?
Seu André carregou, todo satisfeito, um monte de sacolas e sacolinhas, recheadas de brinquedos da menina Clara, que já não era mais uma menina. E tinha boneca, ursinho, bola, carrinho (ah,sim, a menina gostava de carrinho!) e um monte de bichinhos e livrinhos e coisinhas coloridas. Achou melhor colocar tudo num saco maior, depois pedia para um amigo que tinha carro, levar pra garotada. Colocou o saco grande e preto, bem fechadinho, num canto da garagem.
Mais à noitinha, seu André foi desejar Feliz Natal pra dona Rita antes de ir pra casa. Ah, dona Rita, eu to muito triste. O tonto do Evair pensou que o saco de brinquedo era tudo lixo e botou na lixeira. Eu até corri pra ver se dava pra salvar mas teve jeito,não. O caminhão já tinha levado tudinho.
Ela ficou muito contrariada. Pensou no moço do lixo, todo inocente, jogando aquilo tudo no caminhão, triturando sonhos.
Dois dias depois ela preparava um jantar para dois. Caprichou na moqueca e pediu desculpas à dona champanhe. Com esse calorão eu vou é gelar uma cervejinha, he,he…
Na mesa, os dois riam lembrando do trote que ela lhe dera por telefone. Vou fazer uma comidinha bem light, sem muita gordura, sem bacon…sem gosto. Ele já se imaginando engolindo uma lasanha vegetariana ou um quiche de ricota.
Deitada na cama concluiu que aquele Natal, apesar da ausência da filha, tinha sido bom. Muito bom, na verdade. Sentiu uma dorzinha de saudade da sua menina mas era uma saudade boa. Antes de adormecer lembrou-se dos brinquedos. Suspirou entristecida. É, a vida não é perfeita.
O Sol a pino nem incomodava mais. Estava acostumada. Galgou a “montanha” à sua frente e catou mais uma latinha. Os irmãos, espalhados pelas dunas de lixo, pegavam tudo o que podiam. A mãe chamou lá de longe. Chega por hoje. Afinal, é Natal.
Começou a descer sua motanha e viu um brilho bonito, dourado. Abaixou-se para pegá-lo. Puxou, puxou mas o pano estava preso. Cavucou o lixo em volta e descobriu que o pano era um vestido. E que no vestido tinha uma boneca. Aquela boneca. Bonita, com vestido de princesa. E tava inteirinha! Só tava suja.
Limpou, com cuidado, a carinha da boneca, abriu um sorriso. E seus olhos brilharam mais do que o Sol.