“...o ridículo é como uma queimadura por dentro. Um ácido em cada momento reavivado pela memória, uma ferida infatigável”. — José Saramago, em “O Ano da Morte de Ricardo Reis” – pág.98 da edição brasileira.
Ah, o ridículo, o ridículo!
Mas, o que é mesmo o ridículo?!
Quantas vezes fui ridículo nesta vida, quantas!
Declaro já: se as contasse pelas vezes que amei,
Não há dúvida — foi uma só vez!
Mas nada é simples assim;
Há uma tênue película a separar
O ato de coragem do ato ridículo —
O medo é a chave de tudo...
O ridículo avulta [e queima] quando nos enxergamos
Afrontando a obviedade das circunstâncias —
Quando rimos depois de cessado o riso geral;
Quando o amor se vai e nos deixa atônitos;
Quando dançamos já sem música tocando;
Quando a fila anda e ficamos para trás;
Quando nos arvoramos em certezas esboroantes;
Quando damos uma ordem que ninguém cumpre;
Quando, num voo de urubu sobre nós mesmos,
Perscrutamos nossos caminhos;
Quando nossa alegria é vista de fora
Por frios olhos neutros;
Quando mais somos inocentes, isto é,
Quando escrevemos um poema...
Se o rebanho pára e se ri de mim,
Eu paro e escuto a música que toca
Ainda dentro de minhas entranhas —
Posso então tornar-me messiânico,
Ou posso atirar-me num abismo;
Posso devolver-lhes um riso mais alto ainda,
Ou posso juntar-me, submisso, ao riso geral —
Viver é tangenciar a curva escura do medo...
[Penas do Desterro, 14 de dezembro de 2008]