Pressinto o mar à distância e os sulcos
da chuva ácida
queimam-me as veias
e estiolam-me os ossos. As imagens inacessíveis
da memória
quebram-se no segredo dos deuses
Pedaços delineados da presença dos mortos
esfarelam-se no ar
onde se acende uma única luz
rente à terra. É o sítio
onde se alimentam as almas errantes
alicerçadas no sal da desolação
Paredes meias habito com o sonho
que cresce de dentro para fora
como se fosse um álacre ou o fermento
que leveda a sêmea
e perco o medo de o sonhar
E a luz continua a entrar pelas frestas
das janelas de tábuas mal pregadas
algumas partidas, até
por onde o sonho se esvai
As imagens são os únicos sinais
da memória esquecida
Atravessam os corpos fulgentes
raios de luz. Últimos resíduos da memória
em fragmentos de noite
onde não há mais noite
nem catástrofes
nem solidão
nem lugares outros por descrever
nem sombras nem nada
Resta-me a perturbação de ter os dias
sem amanhecer
ou anoitecer
sem queixumes nem precárias moradas
amordaçadas
para o vaguear da escrita e o voo do coração
Subtis os fogos
e o Princípio que se gera no corpo
da mulher
Formas etéreas do seu ventre aos poucos
crescem em imemoriais auréolas
de fogo e ouro
no esplendor das geadas
e constelações
O doce caminhar o rumor dos beijos
e as tréguas mal resolvidas. As estrelas
secretas e o silêncio
depois da tempestade e a bonança
e as feridas por sarar. As tuas mãos de neve
recolhem as conchas e o rumor das águas
e o ciciar dos canaviais
Nasce mais uma moura encantada
Sóis oblíquos dos dias esquecidos
onde os íntimos desejos se confundem
com a paisagem
e a precariedade dos dias por viver
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in: onde os desejos fremem sedentos de ser