- A necessidade de saber se ainda estava vivo, consumiu-me.
Era assim, de forma desiludida e resignada, que o rapaz se referia à sua situação.
O Alberto estava preso a uma cadeira de rodas que movia com o auxílio da boca.
Tinha custado uma pequena fortuna aos pais que, com sacrifício, há três anos,
pagavam o empréstimo.
25 anos. 25 anos é a idade dele e na rua os gaiatos já o chamam por "aleijado".
O Alberto foi, desde muito cedo, um ídolo para a outra miudagem e, como quase
todos os ídolos, um exemplo do que eles queriam para si. Como quase todos os
ídolos não era exemplar.
A sua paixão pela adrenalina, pelo risco desnecessário, sempre com aquela
certeza de que estava tudo sob controle, era magnética. As pessoas gostavam
disso, sentiam que o rapaz era corajoso e tinham a franca noção de que era à
"prova de bala". Não era, ninguém é.
Aos 10 anos encavalitou-se, pela primeira vez, em cima de uma mota. Uma mota
de verdade e sentiu-lhe a vibração do motor. 600 cc de força pura que ronronava, a
princípio, rugia depois. Tanto poder. Não chegou a sair do tripé, não chegou a pôr
as rodas no chão mas, também não foi preciso. Tanto poder. A trepidação, a
vibração e até os rateres, que o Manel da oficina lhe ensinara a domar... tanto
poder.
Nos anos seguintes, sempre que podia, corria para as motas e os mais velhos, por
piada, deixavam-no dar uma volta. Era giro ver um puto com mãos suficientes para
aquelas bestas. Tornou-se um vício. A falta daquele ambiente e o tempo que era
obrigado a passar na escola deixavam-no doente. "Tanto tempo desperdiçado",
pensava.
Aos 17 anos já era um indivíduo que sabia tudo o que havia para saber sobre
aquelas máquinas. Conseguia espremê-las até ao limite. Desmontava-as e
remontava-as com os olhos fechados. O Alberto, era já um mecânico biscateiro
qualificado e quase a tempo inteiro. Havia gente das corridas a vir ter com ele... que
coisa incrível. Mas o que ele gostava mesmo era de as testar... às máquinas. Tanto
poder. Certa vez tinha conseguido esticar uma até aos 350. Foi uma sensação tão
forte que quando parou nem falava.
Aos 20, morreu e anda morto desde aí.
Como foi? Foi como todas as coisas... aconteceu.
Valdevinoxis
Publicado em: 16/12/2007 23:47:36
A boa convivência não é uma questão de tolerância.