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Diário de Uma Jovem Prostituta

 
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Diário de uma jovem prostituta. pat.I

Sentia-o mergulhar dentro de mim.
Acariciava-me os seios,
Sussurando-me ao ouvido que eram as redondas laranjas,
Colhidas do seu longo jardim de prazer.
Sentia o toque da ponta dos seus dedos
A avultar a redor das minhas ancas,
Por momentos prazeiris, senti-me amada.
Mas, porém...
Ao mesmo tempo sentia-me um mero objecto aprazeirado.

Sentia-o expor-se á minha vulva,
Sentia os seus suspiros junto ao meu corpo,
Por momentos,
Tornei-me num mar de destroços,
Enquanto ele se balanceava sobre mim,
Desfrutando do nada que me restava,
O meu corpo...
Sujo,
Pobre,
Asco.




Diário de uma jovem prostituta. pat.II

Hoje,
Apenas o sentia sob um toque de amor.
As nossas pernas interlaçadas,
A ponta dos teus dedos percorriam-me o corpo.

Por momentos juntamos as nossas mãos,
Como se o sabor do conhecimento ali paira-se,
Mesmo sem sequer saber o seu nome.

Ele porfiava com os olhos sobre mim,
As suas mãos procuravam todos os segredos
resguardados nas esquinas do meu corpo.

Em breves momentos de volúpia,
Senti-me segura,
Num ambiente um tanto veemente
Detono que não amara o meu ser,
Mas sim o corpo imundo que suporto.




Diário de uma jovem prostituta. pat.III

Sentia sobre mim um luto imensurável,
Sentia a minha pele,
Um pedaço de corrupção,
E ainda sentia o toque da sua boca por todo o meu corpo.

Sentei-me sobre a banheira,
Para inocentar o pouco que de mim restava,
O pouco.. ou mesmo o nada.

Enquanto passava com as mãos sobre o meu corpo
Os meus olhos enchiam-se de lágrimas,
Tremelicava,
Soluçava,
Algo imparável e que me cortava a respiração.

Quando me levantei,
Contei o escasso dinheiro que me tinham deixado,
Pela venda do meu corpo,
Pelo momento aprazeirado que outrora tinha concedido.

Deitei-me,
Deixei-me cair num sono repleto de nada,
Que apenas me deu asas para largar o cansaço que tinha sobre mim.




Diário de uma jovem prostituta. pat.IV

Deixo-me abater tão solenemente,
O uso, o abuso...
Enquanto ele me toca,
Choro por ter perdido o gosto de ser mulher desta maneira,
Soluço a magoa e o luto que vivem dentro de mim.

Enquanto ele se balança,
Pensando que me trará prazer,
Aguardo pela hora de o ver partir,
Com o orgulho de ter aprazeirado uma mulher,
Esta que ele não sabe ser...
Um bicho,
Uma vertente repugnante.

Os instantes passam,
O sufoco e a ansiedade é cada vez maior,
O prazer não me atinge,
Apenas a vontade de ir,
De voltar a sentir orgulho no meu ser,
A vontade de amar,
De não ser o objecto caro,
Que dará a tantos o sabor sexual.

E pergunto-me agora... Porque me deixei levar?
Porque fui fraca na hora de dizer "não"?
Porque fui a criança ingénua ao pensarque iria viver num mundo cor-de-rosa?

Porque sou apenas o sexo,
O uso, a droga que consumi outrora.



Diário de uma jovem prostituta. pat.V

As minhas mãos tremelicavam ao vê-lo chegar.

Ele veio, encostou-se, toucou-me.
Perante um olhar, comecei-me a despir de um modo sensual,
Ele olhava-me de uma maneira estupefacta,
Parecendo que naquela hora…
Eu era a Primavera que tinha desbotado numa flor.

Despiu-se,
Deitou-se sobre o meu corpo,
Balanceando-se,
Gemendo,
Tocando-me suavemente no rosto,
Despejando toda a sua aversão no meu físico.

Gritei como uma criança,
Naquele momento em que ele me denegriu,
Em que senti a sua robustez entre as minhas pernas.




Diário de uma jovem prostituta. pat.VI

Passados meses, apaixonei-me.
Não pela pessoa,
Mas sim, pelo corpo.
A pele macia,
O cheiro suave, odor jovem.
O cabelo claro e brilhante com o sol,
Nos olhos tinha o mar.

Quando se deitava sobre o meu corpo,
Era como se estivesse numa praia deserta,
E que a única coisa que me cobri-se…
Fosse o amor.




Diário de uma jovem prostituta. pat.VII

... Ainda tenho os olhos cor-de-mar,
A pairar-me sobre a memória,
O cabelo macio,
A voz calma,
O toque da ponta dos seus dedos,
Sobre o meu corpo,
Ainda os sinto,
Como se ele me continua-se a tocar,
Naquele silêncio interrompido por pequenos gemidos.

Arrepia-me...
Arrepia-me pensar nele,
Arrepia-me sentir os seus dedos,
Arrepia-me quando ele deita o seu corpo sobre o meu,
Arrepia-me quando me lembro de me beijar o pescoço,
De sentir os seus lábios húmidos,
Sobre a minha pele.

Hoje...
Hoje ainda o sinto,
E espero...
Espero por amanhã senti-lo ainda mais.




Diário de uma jovem prostituta. pat.VIII

Acabou.
Procuro agora os olhos cor-de-mar,
E o cabelo dourado,
Nos odores da minha cama,
Da minha roupa,
Da sua roupa esquecida.

Passaram-se tempos,
Sem lhe tocar,
Sem me tocar,
Sem o sentir,
Sem me sentir.
Sem o amor que sinto por ele,
Sem o amor que ele sente pelo meu corpo.

Procuro nos sonhos encontrá-lo isento,
Tocar-lhe, acaricia-lo, senti-lo.
Procuro ser outro eu,
Procuro,
Quero,
Desejo.




Diário de uma jovem prostituta. pat.IX

Depois de uma noite,
Um estofo,
Um sentimento sem pensamento,
Uma palavra sem conversa,
Um desejo apenas com prazer…
Acordo.
Um banho frio, espera-me.
Para limpar o meu corpo,
A minha lida,
Pelo qual sobrevivo.

Um cigarro, dois.
Por momentos penso que são os únicos que me ouvem,
Mesmo que não repliquem.

Espero, espero que a noite chegue.
Para me tornar outra vez o objecto,
O grito de aprazimento,
O explodir da cólera,
O corpo… pago.




Diário de uma jovem prostituta. pat.X

Desta vez ele veio, sentou-se.
Comecei-me a despir, mas ele apenas disse “Não”.
Tocou-me na mão, abraçou-me.

Fez-se silêncio durante um período de tempo,
Passados largos minutos, começou a falar.
Resmungava pela sua vida,
Chorava,
Gritava.

Ali não havia prazer nem actos sexuais,
Apenas uma conversa,
Um desabafo entre fumo de cigarros.




Diário de uma jovem prostituta. Pat.XI

O rapaz com os olhos cor-de-mar voltou.

Desta vez não me olhou da mesma maneira.
Apenas me viu despir,
Roçou as suas mãos a redor das minhas ancas,
Empurrando-me para trás.
Deitou-se sobre mim,
Balanceou-se.
Desta vez não me tratou com doçura,
Era rude,
Forte.
Tacteava-me os seios com força.
Apertava-me os cabelos grosseiramente,
Mordiscava-me o pescoço de um modo gélido.

Deixou em mim marcas,
Marcas… de memórias passadas,
Não do seu novo ser, arrogante.




Diário de uma jovem prostituta. pat.XII

Pedra.
É isso que sou,
A pedra que atiras para a estrada,
A lágrima que choras sem sentimento,
O prazer que devoras sem amor.

Não me arrependo de te adorar,
Temo, apenas, adorar-te ainda mais.

Sinto falta de tocar no teu cabelo macio,
Sinto falta das tua mãos delicadas a viajar pelo meu corpo,
Sinto falta do teu olhar que me sufoca.

Sinto falta do ar bruto com que me tocaste anteriormente,
Sinto falta da doçura com que te balanceavas em cima de mim.

Desespero por te ter aqui,
Por te imaginar deitado ao meu lado,
Como o meu amor.
Como a pessoa com quem acordarei ao amanhecer,
Entre as flores do campo,
Entre o vento que nos escapa entre os cabelos...




Diário de uma jovem prostituta. pat.XIII

Os teus olhos azuis,
Esboço de bondade e ao mesmo tempo rancor,
Pairam sobre as minhas pernas.
As tuas mãos viajam sobre elas,
Num toque macio, acariciante.

Fecho os olhos,
Sinto-me amada.
Sim, amada.
Como tu amas aquela mulher
Com que te deitas maioria das noites,
Aquela que te deu frutos de um amor.

Mas apenas o sinto,
Em breves momentos de utopia,
Porque o que tu amas,
É o prazer que te dou,
O estouro que sentes ao possuir-me,
Ao fazeres de mim delito das tuas magoas.




Diário de uma jovem prostituta. pat.XIV

Sonhei, sonhei contigo…
Andávamos sobre um arco-íris, descalços.
Riamo-nos entre nuvens de amor,
Beijávamo-nos, sentia-me voar.

O teu rosto, pálido, magro,
Os teus olhos azuis,
O teu cabelo claro, que se confundia com o Sol,
O teu jeito distraído,
A tua voz… doce, calma e ao mesmo tempo alta e ordenada.

Deitamo-nos sobre a relva,
Os nossos pés tocavam-se,
As nossas salivas trocavam-se,
Os nossos odores misturavam-se.

Os nossos corpos… eram um só.

Um sonho, claro, um sonho.




Diário de uma jovem prostituta. pat.XV

Vieste,
Repentinamente.
Rogaste,
Para fugir.

Fugir para o eterno,
Fugir para conhecer o amor,
Fugir para ficares comigo,
Para me amares.

Os meus olhos… brilharam.
As lágrimas, sentia-as chegarem-me ao canto da boca,
Com um sabor salgado, mas ao mesmo tempo de vitória.

Abraçaste-me, fortemente.
Disseste que me virias buscar em breve.

Os teus olhos azuis despediram-se para um reencontro.





Diário de uma jovem prostituta. pat.XVI

Sinto-me rainha,
Tenho a bagagem arrumada.

Espero por te ver chegar por aquela porta,
Antiga,
Repleta de memórias passadas.

A cada instante que passa,
Espreito pela janela para te ver chegar,
Anseio pelo momento em que te veja
Ao fundo da rua.




Diário de uma jovem prostituta. pat.XVII

Passaram-se dias,
Não apareceste.

Não tenho nem um tostão,
Não aceito dinheiro em troca dos meus prazeres,
Enquanto não me vieres buscar.

Sento-me sobre a cama e como as míseras migalhas de pão,
Que sobraram de um almoço escasso.

Adormeço,
À espera que venhas,
Que me leves para o odor das flores,
Para o arco-íris repleto de amor,
Que me leves…
Para ti,
Só para ti.




Diário de uma jovem prostituta. pat.XVIII

Ouvi três batuques na janela.
Eras tu,
Desculpaste-te pela demora.

Deste-me um pão e um jarro de água,
Disseste que amanhã pela madrugada me virias buscar.

Beijaste-me,
Apertaste-me até me sentir sufocada.

Sussurraste-me ao ouvido, calmamente:
“Amo-te…”

Agora, anseio pelo momento em que apareças de mala na mão,
E me perguntes: “Vamos?”




Diário de uma jovem prostituta. pat.XIX

Imagino-me contigo,
Imagino-me casar,
Imagino-me ser uma mulher comum.

Desejo ter-te,
Desejo adorar-te ainda mais,
Desejo dar-te um prazer feito de amor à noite,
Desejo dar-te frutos do nosso amor.

Espero por morrer abraçada a ti,
Espero por ti, espero.




Diário de uma jovem prostituta. pat.XX [Final]

Bateste à porta, levemente.
Levantei-me repentinamente.

Apenas te pedi largos minutos,
Para me despedir de tudo.

Da minha cama,
Repleta de odores.
Do meu quarto,
Repleto de prazer, angustia e agora esperança.
Da cozinha pequena e desarrumada,
Da cinza de cigarros deixada sobre a mesa.

Do diário que deixei sobre a cama,
Para um dia alguém me descobrir.
Para um dia alguém sentir por palavras o que eu senti…
… Até hoje, o dia em que me levaste do Inferno para o Paraíso.


les fleurs mortes.

 
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Fleur
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Enviado por Tópico
Diogommalves
Publicado: 01/09/2007 02:16  Atualizado: 01/09/2007 02:16
Novo Membro
Usuário desde: 25/08/2007
Localidade: Lisboa
Mensagens: 6
 Re: Diário de Uma Jovem Prostituta
Intenso, tocante, deslumbrante, electrizante, chocante, e mais umas quantas palavras acabadas em "ante" seriam capas de caracterizar este trabalho!

Muito bem
Gostei


Enviado por Tópico
Shepherd Moon
Publicado: 01/09/2007 11:14  Atualizado: 01/09/2007 11:14
Super Participativo
Usuário desde: 30/08/2007
Localidade: Vila Alva
Mensagens: 111
 Re: Diário de Uma Jovem Prostituta
Por momentos pensei que não ia ter final feliz...
Parabéns, está muito intenso e cativante...

Beijinhos


Enviado por Tópico
Caopoeta
Publicado: 02/09/2007 06:08  Atualizado: 02/09/2007 06:08
Colaborador
Usuário desde: 12/07/2007
Localidade:
Mensagens: 1988
 Re: Diário de Uma Jovem Prostituta
ola Fleur,

gostei imenso, está intensivo...

abraço