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«« Maria ««

 

Conto de Natal...

- Maria é o meu nome
- Porquê Maria retorquiu a criança de olhos arregalados.
- De onde eu venho todas as mulheres são Marias.
- Ah agora entendi, é uma espécie de pacto, então adeus Maria.
- Adeus menino sem nome.
A criança já não a ouviu, afastou-se numa corrida arrebatada, e a mulher continuou o seu caminho, desaparecendo por entre o nevoeiro.
O menino caminhava agora num passo moroso, era noite de Natal e não tinha para onde ir. Os pés doridos já não respondiam ao apelo do corpo, que procurava um sítio quente e seguro para passar a noite.
Todas as noites o mesmo caminhar, o mesmo procurar, não tem nome nem família, não tem idade, nem casa, sabe apenas que a malta o trata por olhos tristes, vai saciando a fome como pode, estendendo a mão à caridade, dessa forma sempre consegue arrecadar umas moedas, com um bocado de sorte sacia-se numa qualquer pastelaria, comendo todos os pastéis de nata que consegue engolir. Por vezes a sorte é madrasta, e os rapazes mais velhos roubam-lhe as parcas economias. Mas afinal sempre tem sorte, se não o roubarem e de seguida o sovarem, porque querem mais, e ele, apenas mais um menino de rua, que ao sabor dos tempos deixaram de cativar os passantes, não tem mais, só tem dois ou três dinheiros, o que é pouco muito pouco, para os rapazes que já andam na ganza.
De tão cansado já não consegue articular passo, também para quê, todos os lugares com algum aconchego estão ocupados, nos respiradouros do Metro acumulam-se corpos imundos de roupas esfarrapadas, tentando assim fugir ao frio, nas arcadas dos prédios famílias inteiras dormem resguardados por caixas de cartão, alguns tem cobertores, a esses a sorte bafejou. Ele apenas tem a roupa do corpo e um saco de plástico preto, que tirou de um caixote do lixo.
Agora está sentado junto a uma arvore, sob o tronco duro pende a sua cabeça inerte, o fraco corpito enfiado no saco de plástico, de olhos cidrados em direcção ao nada, os lábias roxos pelo frio da noite esboçam um ligeiro sorriso.
- És tu de novo, menino sem nome, a mulher sorriu para ele e pegou-lhe ao colo.
- Olá Maria, que bom que estás aqui. Mas diz-me porque do sítio de onde vens todas as mulheres são Marias.
- Porque Maria é mulher primeira, porque Maria é nome de Mãe.
- Então tu és mãe, eu não tenho mãe.
- Tens sim meu filho, eu sou a tua mãe também, e agora quero que te afastes de mim, que deixes o meu colo e vás ver o sol.
- Mas, é Natal mãe, no dia de Natal o sol não costuma aparecer. Não me mandes para o frio de novo.
- Sabes, as mães não costumam mentir e eu digo-te que neste Natal o sol brilhará. Por isso tens que ir.
O menino sem nome sorriu, deu um passo em frente acenando a Maria que já havia desaparecido.
Não sabe onde está, apenas sente o calor aconchegante de um cobertor sob o seu corpo fraco, olha em volta e repara na grande janela, por onde o sol o espreita através do vidro. Nesse instante alguém entra na divisão.
O Menino sorri para a senhora de olhos brilhantes que lhe diz.
- Olá o meu nome é Maria e o teu qual é?
- Maria, como a minha mãe, eu não tenho nome, mas chamam-me olhos tristes.
- A partir de hoje, vais ter nome e vais deixar de ser triste, o senhor doutor diz que já te podes levantar, e que podes vir passar o resto do dia de Natal a minha casa. Queres?
- Quero se não der muito trabalho. E posso comer pastéis de nata.
Alfredo levanta-se do sofá onde se encontra sentado, carrega nos braços a pequena Maria que acabou por adormecer, ao som das suas palavras.
Dirige-se à velha senhora que se encontra no sofá da frente e diz-lhe.
- O que ela não sabe ainda, é que eu sou o rapaz dos olhos tristes, e tu a sua avó, és a Maria que me socorreu na rua.
- O que ela ainda não sabe meu filho, é que tu foste um entre muitos meninos de olhos tristes.
Alfredo, baixou-se e beijou a testa da velha senhora, vamos dormir mãe que já é tarde, feliz Natal.



Antónia Ruivo


Era tão fácil a poesia evoluir, era deixa-la solta pelas valetas onde os cantoneiros a pudessem podar, sachar, dilacerar, sem que o poeta ficasse susceptibilizado.

Duas caras da mesma moeda:

Poetamaldito e seu apêndice ´´Zulmira´´
Julia_Soares u...

 
Autor
Antónia Ruivo
 
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Enviado por Tópico
quidam
Publicado: 10/12/2010 10:29  Atualizado: 10/12/2010 10:29
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 Re: «« Maria ««
Tocou-me profundamente este conto... só poderia ter vindo de uma Maria

Bjo Maria