Andei pelas ruas bebendo o fumo de uma nuvem de licor. Estou em Lisboa onde o louco escriturário faz a dança da chuva. Há uma fila de gatos-pingados á espera de um naco de pão e de uma sopa verde para tatuar o corpo aos que morrem. Esse ritual secreto é guardado na confraria do chefe Silva. Todos os venenos ficaram acautelados. Foi pois numa tarde em que é normal aparecerem almas do outro mundo, numa hora de ponta, numa movimentada cidade asiática que o diabo fez a bicicleta para o pobre subir a montanha e o turista rico tirar a fotografia ao céu e á pobreza. Tu gostas daquele poeta, aquele poeta que cheira a sangue e á carne dos touros bravos, tu gostas do cheiro daquela paisagem no corpo dele, a paisagem que também cheira ao sangue dos touros bravos. Hoje vai trovejar, não será o som dos teus lábios guardando canções de amor. Mas de certo que o amor terá o seu momento, os ingredientes e especiarias das índias. Na tarde em que andei pelas ruas ouvi o som de batatas a descascar, soprava um vento de partir janelas e levantar saias. Era a paixão segundo são Mateus, a velha sentada na cadeira de baloiçar e são Mateus a fazer um filtro para o cigarro. O dia é calmo; isto do dia ser calmo é muito relativo. Em qualquer parte do mundo o amor tenta resistir ao ódio e nos muros da cidade há desenhos que parecem ter movimento como olhos que mexem ou a água de um rio subindo nas pedras. Por estas horas o diabo ainda está a fazer a bicicleta, para ele parece um quebra-cabeças. Se Deus não dorme o diabo tem o privilégio deste vício humano.
Lisboa ano de 1143. Um rapaz de dez anos bate na mãe. O movimento surrealista dos templários de vila de não se sabe de onde declara que nada disto tem de ser declarado, mais tarde a estalada que a criança ou o pirralho deu na mãe teria de ser declarado nas finanças. Quem não tem dinheiro não devia pagar impostos, mas em alternativa teria de recitar um poema, pôr uma ovelha a pastar, fazer sapateado, ou cortar a relva por baixo dos sapatos do funcionário da respectiva secção de finanças. Lisboa cheira a poetas e a sardinha. Segundo certas cabeças como pode esta cidade inspirar ao amor, mas eu pergunto às bocas conservadoras e porque não?! E também o chefe silva enquanto corta os veios do bife pergunta se o óleo que usa não é também usado na lubrificação do acto não descrito aqui por causa das crianças. Lisboa é um espaço físico de homens e mulheres, de velhos generais, de dejectos, de discursos políticos, de fatiotas cinzentas, de negócios combinados entre empresários da construção civil e gente do futebol e gente de todos os séculos e de todos os planetas perfilados nas retretes. Estou olhando a nuvem de licor, o amor é bonito e certas criaturas nem para limpar os vidros têm préstimo. Continuaremos a ver monstros, não os verdadeiros monstros que nos metem medo, mas os monstros cínicos que nos metem um medo maior pelo que escondem e por isso a nossa poesia é um amuleto seguro. Não precisamos dos que saltam as janelas, dos que voam ao encontro da morte e nos roubam o direito a ler e a escutar as palavras que guardavam na boca e no peito, as palavras que tinham nos olhos para resistir á escuridão e á submissão de uma vida sem objectivos. Esses poetas que escolheram a morte, que saltaram das janelas, que ingeriram veneno, puseram uma corda, escolheram uma dança folclórica e cortaram o pescoço fazendo o sangue cair para o alguidar onde os editores , jornaleiros e louras senhoras, proprietários de alternes e casas de pasto e ainda outra mulher lavando os pés ao nosso senhor que não dorme a sesta coisa muito comum em Espanha. Confesso que gosto dos ateus, gosto deles porque tem frontalidade. As pessoas religiosas caminham para nós para nos avisar de um perigo que vêem nos outros quando o verdadeiro perigo é a existência delas. As pessoas caridosas, a igreja católica, sociedade anónima dos pobres de Lisboa e a confraria dos estúpidos de Roma, um senhor muito influente vai sustentar este império. Vou continuando a percorrer a cidade, entro na pastelaria e delicio-me com um jesuíta, também o marquês assim como o meu amigo marques são apreciadores de jesuítas, matar a fome com um jesuíta ou matar muitos jesuítas é coisa que já não se usa, a arma mais eficaz para acabar com a igreja é saber que não existe, é sabermos que não serve para nada, servir para alguma coisa é tornar a humanidade mais rica, mais livre e autónoma. Lisboa tem o rio, o rio corre para os olhos dos loucos e deles nada de impuro se pode esconder
Lobo 07