Contos :
Quando a velhice chegar
Deito a espera do que não vem – o sono. Recebo uma visita inesperada... Entrego-me a ela.
Lembranças e pensamentos ganham voz: amanhã irei jogar futebol, defenderei o time da firma. Ah! Como eu gostaria que não houvesse jogo... Um time de gordos, pesadões, cujo único interesse é a feijoada após a partida. Não se importam em ganhar ou perder, só em comer. Se ao menos houvesse o incentivo de a feijoada, ser prêmio ao time vencedor... Haveria uma esperança!
Inquieto... Levanto-me, desço e vou até a copa. Tomo água, ouço uma tosse insistente que, vem do quarto ao lado do meu escritório. São os meus pais que estão morando conosco – a casa deles se encontra em reforma. Estão bastante idosos, para suportar os desgastes de uma construção. Vou até eles... abro a porta de mansinho. Vejo-os agarrados um ao outro. Tão velhinhos. O tempo deformou suas feições. Um dia – lembro bem – foram tão belos! Como minha mãe era formosa: cabelos negros e viçosos. Vasta cabeleira lhe emoldurava o rosto; corpo esguio, cintura fina – quando pequeno, a acompanhava as compras, e os homens a olhava. Eu ficava muito enciumado. A sua voz era daquelas que, procuro, hoje, e não encontro: doce, cheia de ternura – voz de criança – passava paz.
Meu desejo era de ficar coladinho a ela... Meu pai - homem forte - gostava de correr, de se exercitar. Alto, moreno. Louco de amor por minha mãe. Nunca os ouvi discutir. Estavam sempre juntos e, nós, os seus cinco filhos, sempre fomos unidos, mesmo brigando. Hoje, os meus irmãos estão distantes. Bem distantes... Só eu, moro próximo aos meus pais.
Em silêncio... Olhando para eles, vejo que o tempo desgastou seus corpos, suas feições, mas o amor que sempre os uniu, permanece. Ficou mais forte. Penso: quando chegar a minha hora; quando o viço do meu corpo acabar; quando quem carreguei nos braços, precisar me amparar; meus cabelos se fizerem ralos e minhas pernas seguir um passo arrastado; minha voz emudecer, e os meus olhos turvarem, e, a beleza da vida eu não mais poder ver.
Que pena!
Todas as experiências adquiridas ao longo dos anos, serão só minhas. Aos jovens restará viver as suas próprias experiências.
Puxei o lençol sobre eles, devagar. Beijei-os na fronte. Quantas vezes fizeram isso por mim, durante a vida...? Era a minha primeira vez!
Voltei ao quarto, a visita foi embora. Amanheci melhor e amando mais os pesadões do time de futebol.
EstherRogessi.Escritora UBE.Mat.3963.
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