Poemas -> Amor : 

Desenho-te asas que não te pesem

 
Esgravato as pedras da calçada, o desalinho das pedras,
em busca da raiz primeira da palavra,

… da palavra mágica,

no embuste etimológico, na anfibiologia retrata e vasta
de quem, dormindo, acorda e borda em crivos de planura,
com sal, saliva e dor,
as cores milenares nos lenços do (des)amor.

Revolvo o desassossego do verbo verde de ti,
a taça aberta desta rua tão vazia,
a melancolia suspensa por molas no estendal da agonia.

Aspiro, sorvendo, o hálito liquefeito e condensado
das rosas desfolhadas p’la manhã,
da tua voz incendiada ao meu ouvido,
o rouco do cigarro, o bafo morno e conhecido.

Ilumino-me no sobrenatural da luz incandescente,
a avolumar de anjos brancos a crista da onda.

Desenho-te asas que não te pesem, que não te domem
para que, sobre os meus passos corredios,
na leveza do abstracto que se eleva do teu mar,
me venhas tomar, e me possuas, na carne e na alma,
com a fúria fogosa que acorda a sensualidade desmedida
em luas espantadas no meu peito.

Estico o corpo, alongo o passo em movimento,
numa vã tentativa de romper a inércia das asas de borboleta
suspensas na cera aguada das fragas, em melaço tremeluzente.

Grito o teu nome, sibilado ao vento que passa,
letra a letra, letra a letra … ternamente…

Clamo o fermento do teu cheiro de silvado, enceto o gesto,
recolho o fruto maduro e suculento que deposito
sobre cama de vime, no talco branco das águas.

Na voluptuosidade da loucura, sacudo os cabelos soltos dos astros,
arrebato as veias abertas do teu verso,
por onde corro livre e nua, para que,
e sem que te dês conta, sem que te reconheças e te impeças,
avances.

Agora, amado, somos tão-somente pedras cruas de calçada,
dispostas lado a lado, na frialdade da rua.





MT.ATENÇÃO:CÓPIAS TOTAIS OU PARCIAIS EM BLOGS OU AFINS SÓ C/AUTORIZAÇÃO EXPRESSA

 
Autor
Mel de Carvalho
 
Texto
Data
Leituras
2580
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
4 pontos
4
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
goretidias
Publicado: 30/08/2007 15:57  Atualizado: 30/08/2007 15:57
Colaborador
Usuário desde: 08/04/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 1237
 Re: Desenho-te asas que não te pesem
Dificilmente aqueles que se amaram de verdade poderão ser pedras cruas de calçada, dispostas lado a lado, na frialdade da rua... serão sempre mais do que isso... ou muito menos...
Mais um poema de qualidade ímpar!
Um beijo


Enviado por Tópico
rosamaria
Publicado: 30/08/2007 18:26  Atualizado: 30/08/2007 18:26
Colaborador
Usuário desde: 10/09/2006
Localidade: Mindelo - Vila do Conde
Mensagens: 1016
 Re: Desenho-te asas que não te pesem
Olá Mel
Mais um belo poema. Já não consigo addjectivar mais......
adorei simplesmente.
jinhos
Rosamaria