Poemas : 

Algemas

 
Ele — é seco, tem a cara chupada,
uma calva dessas coroadas,
e olhos diminutos,
aparentemente vazios de sentido,
que olham, súplices, por trás de espessas lentes.
Mesquinho, ele conta, meticulosamente,
até os centavos das esparsas vendas
que pingam no balcão
do seu Armarinho de tantos anos.

Ela — tem olhos grandes, vivos,
porém de triste fundura;
e os seus sonhos com outros mundos,
são tão velados que ela mal os estampa
em seu rosto magro de fêmea cercada
pela má fortuna de um macho exangue.
Sufoca seus furores com o brilho quase obsessivo
que dá ao piso de vermelhão da parca lojinha
em cujos fundos vivem, atrás de um biombo.
Ali, esperam pelo dia em que o mundo se abrirá
para os livrar de sua atávica mesquinharia.

Os biombos têm frestas;
ela tem outro [sabe-se...];
ele, sempre com um olhar vago,
é de lentas e usuais queixas da vida —,
faz que não sabe... ou será que sabe?
Talvez sinta a piedade disfarçada
nas faces dos amigos,
mas a inextricável teia de seu mundo
os prende; o Armarinho os ata, ,
na mesmice garantidora do pão,
e o brilho do chão continua
como sempre — esmerado.

Um dia, o banquinho da calçada,
liso pelo hábito de seu dono se demorar ali,
a olhar, na calmaria da hora lenta da tarde,
o comércio fechar suas portas, estava vazio,
e o Armarinho, à meia-porta — ele se matara!

E ela, profundamente abatida,
rompidas as antigas algemas,
levou a escureza profunda
de seus olhos ávidos,
ninguém sabe para onde!
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[Penas do Desterro, 2 de fevereiro de 1998]
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da minha coletânea "Cavalos da Noite", ilustrada por Paula Baggio

 
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crstopa
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