Pernoita a solidão no meu abandono
A vela de um veleiro
Acena
Para além do horizonte
Um “até nunca mais”
Como se levasse no convés
A réstia de um sorriso
Ou de um encanto
Pernoita o abandono na minha solidão
Um frasco de veneno
Um copo de vinho
A corda da forca
O desespero de um insecto
A minha gargalhada
Coisas que a borracha do tempo decalca
Na carne
Amarroto o riso e jogo-o no lixo
A felicidade morre afogada numa poça
À alegria piso o rabo e como gato
Sobe ao cimo dos telhados da cidade
Fica o vento…
Fica uma espécie de buraco negro na elanguescia
Dos passos que se arrastam pelas ruelas…
Mortalha definida dos meus pensamentos!
O vento sibila na minha ânsia negra de voar
Até onde Ícaro voou
Descobrir por detrás de cada intenção o punhal
O mal
Como se um ninho de víboras espreitasse de cada pedra
De cada ulmeiro podre caído no matagal
De cada boa intenção
De cada frase onde o amor surge como uma rameira!
Quem sabe se depois do fim dos Oceanos
Ou do espaço sideral de todos os Universos
Não existirá um lugar eleito para a minha paz
Com um pequenino lago de nenúfares
Onde o meu corpo possa exercitar a solidão
Sepultar o passado no cemitério do tempo
Fazer do esquecimento um coqueiro?
Lambuzar-se de sombras e frios e escuros
Até afundar a mágoa no precipício do meu cosmos
E afundar-me na argamassa da estupidez!?
Não lamentem as dores que os lamentos humilham!
Não me venham com tratados e coitados
Crentes de que isso acalma a fúria de um fracasso
Como quem no conselho que não consegue dar
Encontra um estereotipo vago que para tudo serve
Até para dizer que me devo conformar
Com tudo o que não quero conformar-me!
Agito-me para lá dos ventos e das palavras
Exijo um porquê na altivez de uma lágrima
Algo que me diga secretamente tudo o que sei
Num grito amorfo mas pungente
Um grito fatal
Um grito ardente
Um grito feito incêndio numa floresta
Exijo um grito!
Exijo um mito um céu um pedaço de inferno
O garfo de Lúcifer a espada de Gabriel
Qualquer coisa que acorde esta infinita vontade
De esperar o amor na esquina duma taberna
Sairmos fodermos sermos reis por um minuto
Acreditarmos que a felicidade mora mesmo ali
Dentro de uma veia rasgada por uma faca
Tirada das ligas das mulheres da rua!
Exijo um pedaço do Hades para mim!
Este cabecear as pedras não me chega!
Este partir as esquinas dos prédios, não basta!
Preciso quebrar o céu o sol qualquer luz
Qualquer pedaço de mim solto no espaço
Qualquer coisa que diga ao mundo que passei por aqui…
Ninguém precisa saber que passei por aqui!
Ninguém tem de saber que passei por aqui!
Ninguém quer saber se passei por aqui!
Porque haveria alguém de procurar por mim
Na cisterna olímpica do lixo que produzi na vida
Na ansia de fingir que um dia passei por aqui
Como se isso fosse muito importante para toda a gente
Crente de que eu era toda a gente e isso era importante para mim!
Falta-me a alma para também a rasgar…
Uma alma rasgada diz mais de si e do mundo que todas as palavras
Que possa rabiscar aqui para dizer o que não interessa a ninguém!
O mundo quer lá saber das minhas dores?
Para que servem as minhas dores?
Que mundo? Ainda se fosse o meu mundo
Escondido na concha de um avo de piedade por tudo o que lutei
Mesmo quando não lutei por coisa nenhuma
Mesmo quando me questionei porque deveria lutar por algo
Mesmo quando me sentei na inércia de um sofá à espera do fôlego
Que me levasse para além do sofá e pudesse num acto de coragem
Assumir uma coisa qualquer nesta necessidade mesquinha de dizer
Ao mundo do qual não quero saber nem me interessa
Que por uma razão estranha até estou aqui
E pela mesma razão parto!
Mas não posso dizer nada porque não tenho alma…
Porque terá de ser alma? Porque não lhe chamam outra coisa?
Sei lá… Um penico! Talvez tenha um penico…
Se não tiver arranjo…
Talvez conheça quem tenha…
Talvez mo empreste…
Eu só quero ter um penico…
Só um…
Nada mais!
antóniocasado
27 Novembro 2010