A Um Menino Enjeitado...
Foi com palavras que tomei o pulso à ternura que trazias escondida por detrás da tristeza escrita no teu olhar! Palavras doces, tranquilas, intimistas, projectadas do interior profundo da minha alma e sussurradas, ternamente, olhos nos olhos, com a voz cálida do coração. Não fiz mais nada. Absolutamente! Não tentei uma aproximação física, porque senti que poderia intimidar-te, nem gestos, ou qualquer outra atitude, premeditadamente calculada, para não correr riscos. Detestaria ver-te esfumar entre as sombras daquele belo entardecer de final de verão, se me deixasse trair pela ansiedade de te acolher nos braços, de te dar um pouco de colo…
Podia ter usado mil e uma armas, mil e um estratagemas, desde os mais ingénuos aos mais perversos, de forma a atrair-te, a captar a tua atenção, a manipular-te, até. Seria fácil demais! Mas senti-te tão pequeno, tão frágil e indefeso, tão à mercê da maldade e mesquinhez humana, que tudo o que quis foi proteger-te. Por isso ofereci-te, o que nunca ninguém te havia oferecido. A liberdade, como um escudo! A liberdade de decidires por ti próprio se me querias perto de ti. Sim, fugi da vulgaridade! Tratei-te de igual para igual, com respeito. Não olhei para mim, mas para ti. Atribui-te a importância que te negaram desde que te trouxeram ao mundo e te abandonaram num lúgubre e sórdido vão de escadas, nas proximidades do Tribunal de Menores, embrulhado em cobertores velhos e sujos, como a um cão sem dono. Com isso, desarmei-te! Penso que, naquele instante, terás percebido a magnitude do meu gesto, na perfeição. A inteligência infantil, nunca deveria ser subestimada…
Vieste para mim, pouco tempo depois, sem grandes hesitações e por vontade própria. Trazias nos lábios um sorriso tímido e nos olhos, bem acesa, a chama da esperança. Os teus braços pequenos foram duas magníficas tenazes ao redor do meu pescoço. As tuas lágrimas salgadas, o melhor dos remédios para as agruras da minha vida. E que vida, comparada com o inferno que a tua sempre foi! Nunca um abraço me confortou tanto, como aquele que me deste tão estouvadamente por não saberes, ainda, medir a força ao teu querer. Adorei quando, na confusão do abraço, nos desequilibramos e acabamos estirados sobre a relva fofa do jardim e depois, quando rolamos abraçados, tal e qual duas crianças, sob o olhar atento dos pombos e de alguns idosos que, falando entre si, ali se entretinham, a roer a corda á solidão.
Foi tanto o que me deste, que até hoje guardo o cheiro e o sabor desse dia!
A partir desse momento, muito se alterou nas nossas vidas! Tu deixaste de te sentir só, aprendeste a sorrir (e que sorriso lindo, tens!) e a acreditar no futuro. Eu aprendi a relativizar os problemas do dia a dia. Aprendi que não há nada comparável à imensa felicidade de ver a alegria estampada no rosto de uma criança. E, sobretudo, aprendi que o melhor meio de combater a desgraça é sair da apatia, abrir as portas ao coração e deixar entrar nele, diariamente, um pouco de sol, sob a discreta forma da ternura…
Obrigada, meu querido!
MJose