Poemas : 

DE HILDA HILST

 
"Quero brincar meus amigos
De ver beleza nas coisas."

Hilda Hilst
para sandra fonseca, que escreveu sobre ela,dedico.


A última vez que vi a poeta Hilda Hilst, ela estava feliz. No meio dos seus cães - eram quase cem-, ela estava feliz. Recebeu-me pela manhã, como de hábito, com uma taça de vinho do Porto e cigarro longo entre os dedos. Comentou meu poema Intróito e me pediu desculpas por não ter ido ao lançamento do meu Liturgia dos Náufragos, por problemas de saúde.
Lembro-me de que a última vez que fui visitá-la em sua Casa do Sol, Hilda já estava deprimida. Não falava mais com ninguém de imprensa. Mas comigo falou.
Gostava de mim como a um filho. A entrevista, eu pressentia, seria a última. O sensível repórter fotográfico Léo Feltran que me acompanhava pediu que tirássemos uma foto juntos na janela do seu casarão. E a fizemos,à revelia dela, que dizia que eu era um menino muito bonito e não merecia sair ao lado de uma velha. Hilda foi gênio. Em tudo o que escreveu.Até na pornografia teve elegância.
Quando nos ligaram, dizendo que ela estava no fim, tomamos um ônibus para Campinas, a escritora Lygia Fagundes Telles e eu. Viajamos as duas horas, que separam São Paulo de Campinas, lado a lado, sem dizer palavra.Já sabíamos o pior. E o pior já havia ocorrido. A grande escritora estava morta.

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júlio


Júlio Saraiva

 
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Julio Saraiva
 
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Enviado por Tópico
Henricabilio
Publicado: 26/11/2010 09:42  Atualizado: 26/11/2010 09:42
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 Re: DE HILDA HILST
É sempre bom ler-te, mesmo quando agitas as memórias doridas que te afligem.
De pequenos nadas se pincela a História.

Saudações!

Abilio**

Enviado por Tópico
Karla Bardanza
Publicado: 26/11/2010 09:49  Atualizado: 26/11/2010 09:49
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 Re: DE HILDA HILST
Tu bem sabes de que gosto dela.

Beijo Jujuzinho


Karla B

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 26/11/2010 11:57  Atualizado: 26/11/2010 11:57
 Re: DE HILDA HILST p/ Júlio Saraiva
Caro Júlio,

Em se tratando de poesia brasileira, Hilda é minha absoluta referência. Tenho uma identificação, por vezes, assustadora com a figura da escritora, um dialógo com seus poemas,como se os mesmos fossem peles que se vão despindo ou revestindo um mesmo corpo poético.
Privilégio o teu de ter se aproximado dessa extraordinária figura feminina.
Ter me dedicado esse post faz com que me sinta além de agradecida, emocionada, próxima ainda mais de ambos, Júlio e Hilda.

Beijo de afeto,
Sandra Fonseca.

Enviado por Tópico
Tânia Mara Camargo
Publicado: 26/11/2010 12:19  Atualizado: 26/11/2010 12:19
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 Re: DE HILDA HILST
amigo Júlio sou incapaz de comentar como
vc.realmente merece. Leio e aprecio demais
os seus escritos, são sempre sábios.
Apenas deixo aqui um poema que gosto demais:



É crua a vida. Alça de tripa e metal.

Nela despenco: pedra mórula ferida.

É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.

Como-a no livor da língua

Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me

No estreito-pouco

Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida

Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.

E perambulamos de coturno pela rua

Rubras, góticas, altas de corpo e copos.

A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.

E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima

Olho d'água, bebida. A Vida é líquida.



Alcoólicas (1990)

Gosto desse estilo e muito e Hilda é um
mito. bjs

Enviado por Tópico
JBMendes
Publicado: 26/11/2010 13:19  Atualizado: 26/11/2010 13:19
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 Re: DE HILDA HILST
Estima Julio Saraiva: Seus textos são exemplares pela correção e beleza poética, sempre trata de fatos relaionados a pessoa de grande sensibikidade, com ternura mítica e anímica