Cai em sol em merecido descanso.
Alguns tons róseos reluzem, fracos.
Ouve-se um fechar de porta num barraco.
Chegou a hora de Soraya ir para o trabalho.
O amor e as várias formas de amar.
Soraya sobe um a um os vários degraus.
Odores de incensos infectam o ambiente.
Abre-se a porta de um quarto indecente
Soraya se despe num clima de dez graus.
Sem sorri ela vai até ao espelho se pintar.
Um dia sonhou ser uma bailarina.
Mas no fundo ela queria ser secretária.
Esse era o sonho de Soraya:
Agendar encontros atrás da escrivaninha.
Ainda se recorda da infância longínqua.
Dos dias sem glórias, dos pais separados.
Lembra-se pouco dos poucos dias de escola;
Dos dias de rua entre os menores abandonados,
Das atitudes promiscuas, dos dias de drogas...
Agora o seu amor é vendido por uma mixaria
A qualquer um que não queira nada em troca.
A não ser um pouco de sexo, diversão e fantasia.
Mas Soraya já é quase uma senhora.
A clientela anda um tanto sumida.
Soraya não é mais a moça de outrora
Das coxas mui torneadas e compridas.
Pelo contrário. Soraya está um trapo,
Com os olhos cansados e perdido sorriso.
Seu corpo semi-nu, exposto, chega ao ridículo.
Apenas “Seu” Chico, um senhor aposentado,
Anda a gastar um pouco do seu salário
Naquele pequeno pedaço de paraíso
Onde o amor se faz necessário e raro
Para quem procura um pouco de carinho.
Seu Chico procura em Soraya
Aquilo que não tem em casa.
Por isso cria essa atmosfera
E vive mentindo para Natércia.
Assim são os sonhos de Soraya:
Uma faca afiada como uma navalha;
Um misto de dor, desejo e rancor;
Sem beijos, vendendo amor,
Sonhando em um dia ser secretária.
Gyl Ferrys