Os passos nesta calçada
que com os meus fazem coro,
de quem são, de quem?
Caminho e caminho, sem atinar
com sentidos, sem dar por quem
comigo vai por esta ampla calçada...
Estou sem rumo... mas vamos lá...
Enquanto a tarde trota ligeira,
e um enterro sobe a Rua do Rosário,
as maritacas estridentes baixam
o seu voo sobre a minha cabeça,
confundem-me, e cortam-me a voz:
de quem são... de quem eram...
Vou te contar...
o fio da meada de minha vida
vara as décadas, estende-se
até o Desemboque,
e lá se perde numa fazenda de 22 janelas...
Vêm de lá, aqueles passos, será?
Contaram-me tantas histórias,
tantas histórias de mim,
em tempos que nem aqui eu estava,
que hoje, eu até acho pesado o ter
nascido em Minas, e ter andado,
ainda cedo na vida, por aquela calçada,
esta de agora que eu transtemporalizei!
Sim, esta mesma, com suas placas de arenito;
rejuntadas pedras de beleza despojada,
singeleza que parece amaciar os passos...
Olha só, minha bela, é tão comovente,
tão evocativa essa lembrança que reparto contigo,
que eu até me esqueço daqueles passos,
[oras... o que são passos de fantasmas...]
penso em outro compasso, e sobre
a maior das pedras desta calçada,
eu te dou um abraço,
um beijo, e num rodopio,
olho os teus pés no ar...
sobre a calçada!
Eu não te disse? Perdi o rumo...
Tudo isto, só pra te dar
este abraço, este beijo?
Com efeito, Carlos
— onde já se viu, tanta timidez?!
Fica desde já pactuado: não vale
te apaixonares por mim,
pois eu não tenho futuro,
eu descreio de futuros...
[Penas do Desterro, 25 de maio de 2010