Por cima do muro fica um velho café com as paredes pregadas de azulejo e o cheiro aos petiscos e ao fumo dos cigarros de enrolar. No passeio da rua onde se situa esse café
Estava andando de um lado para o outro um homem calvo com cinquenta anos e de cachimbo ao canto da boca. A senhora do café, uma velhota de costas curvadas sabe que ele é Francês, acha que é ou já foi da polícia, o modo segundo ela como ele olha para o bife é como se apanhasse um suspeito. O homem deve andar à espera de alguém, a sua impaciência mostra que deve estar à espera de uma mulher. Passaram já duas horas e no momento em que se ouve perto o apito do comboio aparece uma mulher. Ela deve ter um pouco mais de vinte anos, as suas pernas são lisas e escuras e os olhos são grandes e parece que neles cabe a infância. Ele gesticula muito, que coisas lhe estarão a transmitir, ele começa a falar e ela parece que lê o movimento da boca dele. Olho-os da janela do meu quarto, agora ponho sobre eles a minha nostalgia. A minha sede de inventar histórias. Acho que vai acontecer um crime muito brutal. Não sei o que vai acontecer, ele pega-lhe na mão, é como se lhe quisesse dizer um segredo, aquele modo de ele lhe pegar a mão não parece familiar, também não acredito que estejam enamorados, consigo ver uma aliança no meio dos dedos dele. A rapariga faz um movimento rotativo, tão rápido é o movimento que as cores vivas da sua saia surgem indefinidas aos meus olhos. A seguir ele apanha um táxi, ela atravessa a rua e o semáforo fica vermelho. No meu caderno de apontamentos escrevo algumas perguntas: como se chama ela, onde vai acontecer o dramático crime e onde é que um velho policia de nacionalidade Francesa cabe na minha fértil imaginação. Da porta do meu quarto a minha mãe pergunta se estou a estudar, estou a repetir a mesma equação, vou na décima tentativa.
Sim respondo eu.
Está a começar a chover, vou fechar a janela e dormir um pouco. De repente ouvi um estrondo, parecia um tiro, talvez fosse uma porta a bater. Na minha cabeça estava acontecendo um filme, comecei a imaginar que no táxi onde seguia o polícia Francês saia um gás, alguém tentava asfixiar
O velho polícia. Em Lisboa não acontecem histórias de agentes secretos ou podem os poetas serem agentes secretos. Pessoa era um agente secreto, disfarçava-se muito bem, umas vezes era engenheiro, outras místicas, outras era um pastor e outras ainda a mãe do menino Jesus. Falei com a dona do café, pedi que me deixasse ver os jornais da manhã. Perguntei-lhe se tinha acontecido um crime, disse que tinha havido a morte de um agarrado e pouco mais. Pedi que me aquecesse um copo de leite e um pão com manteiga e pôs os olhos mais atentamente sobre os jornais. Que teria acontecido entre o policia Francês e a rapariga. Chamo a dona do café para perto de mim, faço de conta que sou um detective, pergunto se ela sabe o nome do polícia Francês. Não tem a certeza mas julga que talvez se chame Marim , a forma como ela pronuncia o nome não é uma pronuncia muito Francesa. E eu vou-lhe perguntando mais coisas. Ela não tem muito mais tempo, tem uma lista de almoços e jantares para preparar. Ela nunca falou com ele, não sabe Francês ou sabe um pouco de ter escutado por curiosidade certas canções e lembravas se de uma tia-avó que recitava Baudelaire e que ponha a tocar na sua Grafonola Edite piaf.
No dia em que vi da minha janela o senhor Martim e a jovem desconhecida reparei que ela coxeava um pouco, talvez tivesse sido um acidente. Imagino que falassem do seguro ou quem sabe se aquele coxear não era de nascença. Aquela característica tornava-a atraente. No caso de ela ter sofrido um acidente talvez os tipos da seguradora planeassem matá-la. Por outro lado sentia que aquele sorriso que lhe vinha à margem dos lábios não combinava bem com o enredo planeado na minha cabeça. Lembro-me que apontei no meu caderno de exercícios a matrícula do táxi, possivelmente arrumei a dita matrícula no meio de uma equação, interrogo-me em que direcção seguiu o táxi. Estou com um plano, procuro o taxista e pergunto-lhe se ele pode entregar á sua cliente um bilhete. Não sei o que vou escrever ou escrevo que preciso de alguém que me ajude a resolver uma equação matemática muito difícil. Posso dizer ao taxista que a jovem senhora que ela transportou é a minha professora. A minha mãe vai aspirar o meu quarto digo-lhe que vou sair, antes visto o fato de treino, vou fazer uma corrida ligeira. Enquanto corria ao longo do passeio que vai dar á praça de táxis vi a rapariga, estava a entrar numa loja de roupa, entrei também na loja e fingi que escolhia alguma coisa, ela escolheu uma camisola de malha, a cor combinava com os seus olhos. Eu pensava como a ia abordar, de repente surgia-me a ideia de ir contra ela, encenar um desequilíbrio e meter-lhe um papel ao bolso com um pedido de socorro. Rapaz sujeito a represálias por causa de uma equação matemática pede ajuda. Antes que realizasse o meu plano ela aproximou-se de mim.
- Acho que já nos vimos...
Eu fiquei sem saber o que responder, era claro que já nos tínhamos visto. Depois ela perguntou-me se eu gostava de chocolate quente. Apetecia-me responder que estava ali numa missão secreta e que ela não viesse com manobras de diversão.
Sim gosto de chocolate quente disse eu.
- Chamo-me Catarina sou Francesa.
Tem um forte sotaque disse eu mas é bonito.
- E tu como te chamas?
José disse eu
José como o carpinteiro?
Sim como o carpinteiro
Outro dia olhei-a da janela do meu quarto.
É um velho inspector da polícia conhecido da polícia.
E que faz em Lisboa
A moda
A moda?!
Sou estilista
Deve ser interessante.
Agora não está a ser muito divertido
E o que é que se passa?!
Encontraram um gajo morto no meu escritório
Foi assassinado?
Não sabem, tens uns olhos muito bonitos. Sabes do que é que eu gosto mesmo?
Do mar respondi
É isso, gosto do mar, quando estudava gostava de perguntar e de saber coisas das tempestades e coisas sobre o mar e sobre a saudade e o fado.
Mas você é Francesa...
Achas que o mar não é dos Franceses, o mar é um conquistador, nós os Franceses conquistamos o mar pela poesia e pela malícia, sabes o mar tem sotaque Francês.
Que está a dizer?!
Estou a divagar... Tu não és muito atraente mas tens um certo encanto. Deixa-me adivinhar a tua idade, penso que tens 17, adivinhei
Não, tenho 19.
Já fizeste sexo com alguém?
Você está a tentar engatar-me
Tu sabias que me ias encontrar...
Devo ter sonhado quem sabe.
Queres ouvir o meu problema.
O seu problema tem o tamanho dos seus olhos
Dos meus olhos?!
Não conseguem ver nem ler os pensamentos.
Aquele crime é o meu problema
Porque?
Sinto-me ameaçada
E qual a razão em particular
Acho que a pessoa que mataram foi um equívoco, queriam matar-me a mim
Já falou com o amigo do seu pai?
Falamos de outros assuntos.
Tenho de regressar a casa.
Gostava de te voltar a ver, tens um ar existencial.
Um ar existencial?
Sim qualquer coisa adolescente com tempero adulto.
Você tem medo?
Tenho.
A sua expressão adulta inconsciente não revela nada.
Vou jantar fora.
Eu como em casa.
Já ouvis-te falar na sopa dos pobres?
Uma sopa que é só caldo!
A sopa da santa casa da misericórdia, gostava de fazer um desfile com aquelas pessoas.
A moda pobreza Franciscana Lisboa disse eu.
Adeus
Adeus.
lobo