Poemas : 

ASSIM É O TEMPO

 



a palavra não é inútil como o poema
tuas pernas abertas são inúteis também
meu dia seguinte nada vale
minhas três costelas partidas
minha briga no banco
de nada servem também

o homem com seu guarda-chuva
metido num terno de linho
não me trará a primavera de volta
tenho simpatia por velórios
- apenas simpatia -
o que não me dará direito ao céu

tenho vícios
sou farinha do meu saco
aos 15 anos escrevia poemas de amor
hoje não tenho vontade de nada
meu bem se eu morresse na albânia
seria feliz
assim é o tempo
:um tiro de misecórdia talvez
uma puta qualquer na esquina
um incêndio numa sessão de cinema
qualquer coisa que somos ou fomos

não pergunte mais nada
não sei o que faço por aqui
se fosse manuel bandeira eu ia embora
pra onde sou amigo do rei
mas o problema é que eu não conheço o rei
já na infância o psiquiatra dizia
que tenho tendência ao suicídio
:ele morreu de infarto dormindo
e eu fiquei
quem sabe um dia eu me mate
o tempo lá fora não me diz nada meu amor

sendo assim baby
acendo um cigarro e releio
drummond e o'neill
desculpe


_______________

júlio


Júlio Saraiva

 
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Julio Saraiva
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 18/11/2010 13:01  Atualizado: 18/11/2010 13:01
 Re: ASSIM É O TEMPO - p/ Julio Saraiva
cara, assim somos nós.
somos pequenos,
pensamos grande...
porra!,
mas aí nosso tombo
faz-nos lamber o barro fétido
de nossos podres... sim,
chafurdamos e chafurdamos
à espera da mão amiga
a nos puxar de volta
ao mundo colorê e cheirosinho...

melhor reler drummond e o'neil
e entupir o cinzeiro de bitucas...

melhor, o que é melhor?

esperar a morte?
esperar um novo amor?
esperar um motivo?
esperar que amanhã cedo, porra!,
todo mundo vai sorrir quando você puser os pés na padaria pra comprar mais um maço de cigarro?...
pra novamente dar início à mesma rotina?!

... e aí esperar que um poema - não aquele que voou, que se dissipou como fumaça - não!...não!
porque os poemas já lhe são uma antevisão
duma dimensão num universo que ficou à margem,
descartado pelo desânimo do "será que vale a pena
mais um rascunho?" e "o que me resta escrever?"
(parecem que nascem natimortos, né não?)


o posfácio?... que outro se ocupe de escrevê-lo
sem saber o quanto se morre antes de terminar
uma obra...


júlio, assim interpretei teu poema-desencanto
e desencanei contigo em frases soltas, verídicas
e quase sem nexo... mas o que faz sentido mesmo nesse instante?



Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 18/11/2010 15:46  Atualizado: 18/11/2010 15:46
Colaborador
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Localidade: guimarães
Mensagens: 7238
 Re: ASSIM É O TEMPO para julio
cada vez mais acho al berto uma espécie de alma poética gémea da tua. o teu estilo, porém, é mais "coloquial".
não me leves a mal. não deixas de ser único por isto que te digo.
aqui vai ele,com um beijo:

Dizem que a paixão o conheceu

dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice

conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo

dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nunhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 18/11/2010 17:56  Atualizado: 18/11/2010 17:56
 Re: ASSIM É O TEMPO/Julio Saraiva
O duro ( ou não, sei lá) que assim é.
Pô cara, este tema me toca, teu poema então, putz, para mim vale ficar lendo e relendo... coisa mais linda!
Abraço,
Edilson