Da janela do quarto vejo uma borboleta preta, vejo-a a caminhar até á porta da cervejaria trindade, passados alguns instantes a borboleta é um homem, a sua transformação deu-se quando o sol entrando pela frincha da porta acertou como um tiro nas antenas.
- Uma cerveja preta muito fresca pois o calor é insuportável e a poesia é breve como a passagem dos anos quando fixamos os olhos nas saudades de tempos já distantes. Quando era uma borboleta não conhecia a saudade mas agora que sou homem e começo a sentir o sangue a ferver e a língua fresca de espuma fico a conhecer a ilusão da eternidade coisa que antes não sabia, pois a morte era literalmente um fechar de olhos.
- Não diria que vossa excelência já foi uma borboleta, dá certos ares de poeta, desses que o parecem pela palidez do rosto e pela magreza dos olhos, embora os olhos pareçam estranhos no caso de já ter sido uma borboleta não se viciou certamente nos perfumes do ópio. Pergunto-lhe se gosta da decoração do bar e se a cerveja está fresca. Sabe caro Senhor quando era miúdo adorava e peço-lhe desculpa por dizer isto esmagar borboletas para depois as colar ás saias das miúdas da minha aldeia, depois descobri também que davam sabor á cerveja segredo que me foi revelado por um certo Alemão gordo. Olhando os seus olhos imagino um livro , a capa como um bater de asas, quando fechamos o livro sufocamos as palavras e por isso substituímos elas pelo álcool. Vossa excelência toma mais uma cerveja, brindemos ao poder da metamorfose, o Deus borboleta que se fez homem que veio matar a sede nesta cervejaria, triste seria este Deus acabar os seus dias no fundo de um copo, mas vejo a salvação da poesia, voltámos ao tempo em que Lisboa sabia a cerveja, um sabor de filme antigo
lobo