peço desculpa amigo
por ter esquecido meu país em casa
trancado num baú cuja chave perdi na pressa
com medo de perder o voo
estou sempre com pressa
e minha memória me tem traído ultimamente
por conta disso
também esqueci todos os poemas póstumos
que dediquei a mim mesmo
devo ter fraquejado
com medo de morrer numa pátria distante
às vezes sinto remorso por ainda estar vivo
e isso costuma ocorrer de manhã
quando o ar me sufoca
peço desculpa amigo
pelo desprezo com que venho tratando as palavras
que um dia me foram úteis
peço desculpa também
por um dia ter acreditado que haveria
a revolução socialista no brasil
quantas vezes sonhei em ver a foice e o martelo
na bandeira nacional
em lugar do infeliz Ordem e Progresso
hoje quando a minha sombra foge de mim
e não tenho na frente nenhum espelho
peço desculpa por ter sido tantas vezes ridículo
e chorado por amor
peço desculpa pelo vício
de mijar na rua de madrugada
não pelo ato de mijar
mas por faze-lo apenas
para chamar à atenção de uma multidão que não existe
peço desculpa amigo
por estar partindo sempre
para retornar na manhã seguinte
com a cara lavada e olhar as pessoas
com os olhos do arrependimento que nunca senti
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júlio
Júlio Saraiva