Poemas : 

DA HORRÍVEL PALAVRA POETISA

 
"Poetisa é a puta que pariu." Assim reagia a explosiva e genial Hilda Hilst, quando alguém a chamava de poetisa.
Hilda, como já escrevi outras vezes aqui, foi uma das vozes mais significativas da literatura brasileira. Digo literatura porque transitou por todos os gêneros. E tudo que escreveu foi com genialidade. Parece que a vejo agora, em sua
Casa do Sol, cercada de seus cães, copo vinho do Porto e cigarro entre os dedos:
"Poetisa dá ideia de moça bem comportada" - ela dizia.
E esta Hilda nunca foi nada comportada. Rebelde desde menina, na tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde estudou, não levou para a casa o comentário deselegante de um famoso professor de Direito do Trabalho:
"A senhora", disse o professor. "Aqui não há lugar
para poetas."
Hilda deixou a sala, não sem antes mandar o professor à merda.
Voltando à palavra poetisa. As mulheres que se dedicam à poesia no Brasil odeiam que as chamem de poetisa. É uma palavra antiga. E muito fresca. Poeta é uma palavra grega. Significa aquele(a) que faz. Não importa se homem ou mulher. Portanto, para mim, é poeta. Poetisa é rançoso demais. Credo! Não estamos no século 18, época dos xaroposos saraus em casa de família. Poetisa é palavra de velho. Ou de menininha virgem e puritana, o que, convenhamos, isto hoje quase não existe.

________________

júlio


Júlio Saraiva

 
Autor
Julio Saraiva
 
Texto
Data
Leituras
1540
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
25 pontos
25
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
Henricabilio
Publicado: 05/11/2010 11:34  Atualizado: 05/11/2010 11:34
Colaborador
Usuário desde: 02/04/2009
Localidade: Caldas da Rainha - Portugal
Mensagens: 6963
 Re: DA HORRÍVEL PALAVRA POETISA
Nunca tinha pensado nisso, pelo menos nessa perspetiva.
Lógico que existem palavras que não têm feminino, mas talvez um dia (quem sabe) ainda venhamos a dizer "a tigra", do mesmo modo que passámos a dizer "a presidenta" - algo que vais ter de te habituar a dizer nos próximos anos (rss).

Um abraçooo para o poeta
que diz o que tem a dizer /
doa a quem doer!
Abílio**


Enviado por Tópico
Avozita
Publicado: 05/11/2010 11:45  Atualizado: 05/11/2010 11:45
Colaborador
Usuário desde: 08/07/2009
Localidade: Casal de Cambra - Lisboa
Mensagens: 4549
 Re: DA HORRÍVEL PALAVRA POETISA
Aprendi com o que li.
Grata Julio Saraiva.

Beijo
Antonieta


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 05/11/2010 11:50  Atualizado: 05/11/2010 11:50
 Re: DA HORRÍVEL PALAVRA POETISA
Pessoalmente não gosto muito da palavra mas não lhe dava essa carga.
Poeta fica melhor de facto.
Bom lembrar Hilda, talvez alguém lembre reeditar e ler ler ler...

Por sua causa vou pensar duas vezes antes de chamar: sua poetisa, és uma grande poetisa...

Um grande abraço.


Enviado por Tópico
GeMuniz
Publicado: 05/11/2010 11:57  Atualizado: 05/11/2010 12:43
Membro de honra
Usuário desde: 10/08/2010
Localidade: Brasil
Mensagens: 7283
 Re: DA HORRÍVEL PALAVRA POETISA
Quanto ao termo "poetisa" realmente há pano para manga para este assunto e como sou brasileiro "convencionei" o termo "poeta" para ambos os gêneros por motivos que você bem descreve aqui, embora em outros países de língua latina exista o feminino proveniente do mesmo radical grego sem este ranço pejorativo que há aqui, como na Itália, França, Espanha, uns aí que eu me lembro... Acho que o termo "poetisa" perdeu o pouco de força que ainda tinha no Brasil a partir do movimento feminista amplamente encampado pelas nossas poetas...

O que me chamou a atenção mesmo no seu texto foi a frase do professor da Hilda, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco de que "não havia lugar ali para os poetas". Logo a São Francisco que é o maior ninho de poetas e escritores que o nosso país já viu... Só para citar de memória, sem nenhum esforço, porque são tantos e tantos que fizeram direito lá: Castro Alves, Oswald de Andrade, Olavo Bilac, Alvarez de Azevedo, Menotti del Picchia, Alphonsus de Guimaraens, Décio Pignatari, Guilherme de Almeida, Haroldo de Campos, pô, sei lá dezenas e dezenas... Fazendo uma lista séria, acho que dá mais de cem... O Largo já foi o berço da poesia neste país, hoje, não mais... A Hilda deve ter ficado muito puta mesmo porque aquilo ali na época dela fervilhava poesia...

abç


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 05/11/2010 12:14  Atualizado: 05/11/2010 12:14
 Re: DA HORRÍVEL PALAVRA POETISA
Caro poeta júlio,
Sem desprimor para a poetisa Hilda ou para ti mesmo, continuarei a utilizar o termo poetisa, que é o feminino da palavra poeta.
Estou mesmo velho, eu sei!
Das virgens, não!
Meras opiniães!
abraço
nuno


Enviado por Tópico
Sterea
Publicado: 05/11/2010 12:20  Atualizado: 05/11/2010 12:37
Membro de honra
Usuário desde: 20/05/2008
Localidade: Porto
Mensagens: 2999
 Re: DA HORRÍVEL PALAVRA POETISA
Júlio, poeta a quem prezo...
acho que esse ódio visceral e declamado por uma mera declinação gramatical não faz sentido nenhum. O que é uma palavra?... aquilo que dela fizer a vontade, o uso, o costume, a tradição, o vício?...É o significante que faz o significado, ou o significado que faz o significante?... Serei eu mais respeitada se chamada Tereza em vez de Teresa...? (um exemplo...) A língua é um corpo vivo e há que lhe respeitar a crescência, a mutação, o envelhecimento, mas a tradição também. E a lingua portuguesa É a língua portuguesa, não é Grego, nem Latim. Deriva delas. Se por aí fôssemos, muitas palavras teriam de retornar às origens, não é...?
"Poetisa" é um vocábulo perfeitamente correcto e respeitável, na minha opinião. E não é por uma irreverente e genial "poeta" (que só por acaso é brasileira, note-se...), por mais ilustre e dotada que tenha sido, tenha estabelecido para si própria (sei lá os motivos!) que "poetisa" seria um insulto, que vamos todos, em fileirinha, alinhar por essa corrente.
E porque não considerar válidas as duas palavras?... Respeitar ambas? A mim, chamem-me poeta ou poetisa, estou-me nas tintas. Aliás, estou-me nos píncaros, considero ambos os termos um elogio que não mereço, mas que me sabem bem e me enchem o ego, ah, isso, sim!...
Renegar qualquer um dos termos, na minha opinião, seria presunção, preconceito, intolerância e abusada afectação.
Disse.

Teresa



Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 05/11/2010 14:47  Atualizado: 05/11/2010 14:49
 Re: DA HORRÍVEL PALAVRA POETISA
Júlio

Assim de passagem, "à voile de oiseau ", porque o tema é emergente aqui no Luso, com respeito pela Hilda e amizade por si, e porque gosto dos sexos bem afirmados e separados em sua força e beleza,e também porque o Parnasianismo, embora tenha feito boa História, já lá vai, devo dizer-lhe que considero sim, ofensa grave, titular de poeta, por exemplo, a brasileira Francisca Júlia (da Silva) que, eu saiba, algum dia tenha optado por se chamar Júlio. Como seria acintoso envolver o feminismo de Florbela, ou a sensualidade de Safo, ou a espiritualidade de Teresa de Ávila, ou a doce graciosidade da galega Rosália de Castro, para não citar mais, no rótulo "poeta".
Poeta é coisa de homem, de barba rija, como o conhecido carioca, meio alentejano, Júlio Saraiva.
Poetisa tem timbre de mulher, é feminino, doce, adorável e, por tudo isto, respeito e prefiro.

Grande abraço, irmão poeta e veja lá se se converte às doçura das poetisas do Luso.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 05/11/2010 15:06  Atualizado: 05/11/2010 15:06
 Re: DA HORRÍVEL PALAVRA POETISA
Querido poeta Julio eu adorei o teu texto, falaste de alguma coisa que sempre pensei, que sempre penso.
Eu acho que a palavra "Poeta", tanto define o macho como a femea...Poeta é quem escreve versos de amor, canta as paixões e as desilusões. porisso é qual anjos não tem SEXO!
Eu gosto de ser chamada de "poeta" talvez porque , escrever e tocar piano é o que mais gosto na vida!
Beijos meus e obrigada por partilhar!


Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 05/11/2010 16:04  Atualizado: 05/11/2010 16:04
Colaborador
Usuário desde: 29/10/2008
Localidade: guimarães
Mensagens: 7238
 Re: DA HORRÍVEL PALAVRA POETISA
Lobos? São muitos.

Mas tu podes ainda

A palavra na língua

Aquietá-los.


Mortos? O mundo.

Mas podes acordá-lo

Sortilégio de vida

Na palavra escrita.


Lúcidos? São poucos.

Mas se farão milhares

Se à lucidez dos poucos

Te juntares.


Raros? Teus preclaros amigos.

E tu mesmo, raro.

Se nas coisas que digo

Acreditares.

Hilda Hilst


chamem-lhe nomes...era Poesia o que fazia.e isso é para poucos,raros.chamem-lhe nomes,os homens e as mulheres,que o quiserem fazer.mas sobretudo leiam-na. como se fossem todos vocês poetas,verdadeiros amantes da Poesia.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 05/11/2010 16:23  Atualizado: 05/11/2010 16:23
 Re: DA HORRÍVEL PALAVRA POETISA
Caro Júlio,
Hilda foi mesmo imensa e intensa. Acho que não era o signo poetisa que mais a incomodava, talvez a carga denotativa que ao termo foi dado por alguns tolos e machistas. A esses, os signos da grande POETA:

Ao teu encontro, Homem do meu tempo,
E à espera de que tu prevaleças
À rosácea de fogo, ao ódio, às guerras,
Te cantarei infinitamente à espera de que um dia te conheças
E convides o poeta e a todos esses amantes da palavra, e os outros,
Alquimistas, a se sentarem contigo à tua mesa.
As coisas serão simples e redondas, justas. Te cantarei
Minha própria rudeza e o difícil de antes,
Aparências, o amor dilacerado dos homens
Meu próprio amor que é o teu
O mistério dos rios, da terra, da semente.
Te cantarei Aquele que me fez poeta e que me prometeu

Compaixão e ternura e paz na Terra
Se ainda encontrasse em ti, o que te deu.



(Júbilo Memória Noviciado da Paixão(1974) -

Beijo,
Serabene.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 05/11/2010 19:19  Atualizado: 05/11/2010 19:19
 Re: DA HORRÍVEL PALAVRA POETISA
Só para deixar meu registro: também prefiro poeta.
abraço


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 05/11/2010 20:11  Atualizado: 06/11/2010 13:14
 Re: DA HORRÍVEL PALAVRA POETISA
ai porra! já tentei mas não consigo, cacete!...
é poetisa, é meu vício e pronto, foda-se
inda mais; adoro moças comportadas, só pra eu poder transviá-las.

mudando de assunto; falaste muito aqui duma época nossa. tinha eu lá meus vinte e tal anos e já rabiscava algumas coisinhas mais sérias. e como disseste, aproveitávamos a liberdade do mimeógrafo à álcool, aquele que cagava os nosso dedos de azul natie. as escondidas mas com o aval da secretária escolar, rodávamos entre as provas dos professores, os nosso escritos. fossem panfletos (se pegos seríamos expulsos), e ou materiais para os festivais intercolegiais de músicas e poesias.

este é 'sem título', daquela época, escrevi-o num lual na praia do Leme, onde a turma se reunia. eu era o amigo penetra, suburbano. Você vai batizá-lo para eu postar hoje. dê o título.

apagai as tochas
calem o violão
escutaí os passos
daqueles
que ainda não
em definitivo,
mas virão.
há muito
espreitam
a nossa canção.

vamos camaradas,
descansem
as feições.
enxuguem o suor
do temor,
e guardem o sal
para as lágrimas.

calcem as sandálias,
já se foi a madrugada.
não bebemos,
não fumamos,
não cantamos,
não beijamos.
mas vamos;
libertos,
ainda é 'legal;
podemos partir
mesmo ante
ao eminente
mal.


beijão irmão.