Passa o cão.
É um cão assim, forte, destemido,
Está sempre pronto ao sexo ou à luta,
Não demonstra nenhum traço de carência,
Tem a sadia massa corporal bem distribuída,
Não é um belo animal, mas tampouco é feio.
Não escapa a um olhar arguto
Que se trata de um cão sem rumo -
Vive muito bem sem Deus,
Não sabe de onde veio,
Não sabe para onde vai,
Não sabe por que aqui e não ali,
Não sabe por que neste tempo e não em outro;
E mais: dá ares de não se importar com a metafísica,
Ou com o absurdo de sua própria existência -
Vive, nutre-se da própria falta de rumo!
Tem os olhos atentos aos detalhes da rua,
Mas, como é próprio de um cão,
Não se comove com tristezas,
Desgraças não lhe ferem a sensibilidade,
Endureceu-se na defesa contra os semelhantes;
Alguns temem a vagueza do seu olhar - por que será?
E passa o cão.
Vai-se, imbuído em seus passos,
Curte a desimportância dos olhares,
Curte a doçura da vida sem rumo.
Vai-se, apenas vai-se.
[Um alívio para aqueles a quem sua presença incomoda]