Antes, tudo era colorido. Tudo se resumia às cores, à sua beleza, à sua harmonia, àquilo que representavam e à espectacularidade com que davam vida ao morto, luz ao escuro, alegria ao triste.
Depois, novas cores apareceram:onde antes havia o vermelho, passou a haver o magenta, o bordô; onde antes havia o cor-de-rosa, passou a existir o púrpura, o rosa-choque; onde antes havia o discreto preto, passaram a existir os vários tipos de cinza, uns mais mortos que outros - e com eles veio o peso do mundo, a realidade escura, cinzenta, poluída. Como se não bastasse, a percepção de que alguns vermelhos eram laranjas, de que alguns azuis eram verdes, emergiu também.
"Bem-vindo à humanidade", dizem-me eles. "Que feio que isto é", penso eu e ironicamente contento-me com a certeza de que já penso, já sei o que tudo é e que mais cores não podem haver. É então que toda a beleza que ainda restava das já feias cores se desvanece, é então que tudo o que já me parecia mau (aquele rosa-choque, o bordô, o púrpura, o azul-aqua) se transforma subitamente em branco; não a solidão do preto, mas o choque do branco.
Vivo na convicção de que aquilo que outrora teve cor o possa pintar novamente, certo de que não poderei contar com alguns lápis.