O relógio anda. Eu espero. O relógio pára. Eu espero. Vivo a vida a esperar, enquanto a vida toma café e se demora. E eu espero. Algures está ela, bebendo calmamente, sentada numa cadeira desconfortável em frente a uma mesa banal. Num vulgar café. Sei-o, porque me deixou um post-it, “Fui ao café”. Espero. A vida não vem. Que é feito dela? Por que se ausentou? Que tem um café de tão especial quando especial deveria ser ela? Que confusão! Quero a vida de volta. A vida que é minha por direito natural. Sou igual aos outros, conheço os Direitos Humanos, quero a minha vida! Exijo-a! Vou fazer greve, até alguém me dizer qual o café onde pára ela! (alguém me há-de dizer…) Não vou procurá-la. Ela que venha quando quiser. E, se quiser, que não venha. Pouco importa, pouco me aquece. Enquanto a vida não chega, tenho o orgulho para a substituir (e isso basta). Orgulho que me colocou uma armadura impossível (ou difícil?) de arrancar. Depois, ergueu uma parede. Sarcasticamente, estas são de vidro, daquele que se vê de dentro para fora, mas é opaco de fora para dentro. Dentro daqueles muros estou eu, com a minha armadura sempre posta para qualquer imprevisto que possa surgir. (é sempre iminente!)
Lá fora, vejo gente, vejo as outras vidas, vejo as almas… vejo o standard. Fora: as alegrias e as tristezas espalham-se por todo o lado (e eu vejo). Dentro: mero espectador, num espectáculo real sem fim.
Sento-me e espero. Um dia a minha vida vai-se cansar do café, vai deixar a preguiça de estar sentada e irá procurar-me. Eu sei. Ela não me virá, por causa das paredes opacas, mas eu chamo-a (se a reconhecer no meio de tantas outras vidas tão uniformemente iguais).
Vou dormir. Se a minha vida entretanto chegar, que espere pelo meu despertar. Eu também já esperei, enquanto a esperava. Hoje, chegou o meu dia de tomar café! “Fui tomar café”.
(detesto café! adoro chá).