Ontem, senti-me cansado, portanto nada fiz como esforço mas tudo é devido ao meu estado de saúde.
Deitei-me não tarde, mas acordei hoje às 11 horas, quando vi a hora, disse para comigo, olá, olá, mas calha mesmo mesmo bem, vou cortar a minha barba, tomar o meu duche e está na hora de tomar o meu aperitivo, um whisky baratucho pois que em tempo de crise temos que dar exemplo. Tudo corria pelo melhor.
Eu sei que quando perguntam aos franceses o que pensam da colónia portuguesa em França, temos elogios e mais elogios.
Ah, os portugueses... boas pessoas, de uma grande gentileza, trabalhadores fiéis à religião católica e adoram o futebol.
Pronto, é tudo o que os franceses vêm de nós. É triste, muito triste! A cultura do povo português, para eles não conta.
Dou um exemplo que me marcou para o resto do pouco tempo que terei a viver.
Certo dia fui a uma pequena estação dos correios de uma pequena vila.
O responsável, foi ele que me atendeu e como eu morava havia pouco tempo nessa vila, ele só me conhecia, apenas me me conhecia.
Conversámos, pela primeira vez conversámos. Disse-lhe que vinha de Paris e devido à minha doença como tinha comprado uma pequena casa de campo para passar as ferias, essa casa de campo passou a ser a minha residência principal.
-Então, o que faz agora?
-Agora... nada estou na invalidez.
-E que fazia antes?
-Era técnico de gás.
-Técnico de gás? Não era pedreiro?
-E porquê pedreiro, perguntei eu.
-Todos os portugueses são pedreiros, exclamou ele.
Fiquei alguns momentos sem resposta, não era que não a tivesse, mas os meus amigos aqui já me conhecem quando me dizem algo de menos agradável, não é que eu tenha o que quer que seja contra os pedreiros, considero mesmo um oficio nobre, sem eles quem nos construiria as nossas casas?
-Oiça, caro senhor, o Presidente da Republica Portuguesa é pedreiro?
Silencio absoluto. Paguei o que tinha a pagar e saí.
Isto tudo vem a propósito de quê?
Tudo simplesmente, que em acordando tarde, feliz da vida, tive conhecimento que ainda havia portugueses em França e quiçá algures, que ainda vivem no tempo de Salazar, no tempo da inveja, no tempo da denúncia. Eu, que me bati contra tudo isso, saber que ainda existem compatriotas meus que usam do sistema de denuncia, digo não!
Um Gendarme próximo da idade da reforma, disse que os portugueses são muito agradáveis, mas não tanto como isso, pois que há os (nem todos, estou convencido) que denunciam os compatriotas que trabalham (ao noir) como dizem os franceses, o que quer dizer que trabalham sem declarar ao fisco, com fotografias de apoio.
Fiquei verdadeiramente triste.
Um dia que tinha começado bem , um pouco tarde, é certo, deixou-me desgostoso, não só porque o que eles fazem, mas que foi um elemento da autoridade a nos criticar, sim nós, porque somos incluídos no mesmo saco.
São talvez estes senhores denunciadores sejam os nostálgicos da ditadura, onde eram pagos para denunciar.
A. da fonseca