Poemas : 

Sob epígrafe de Vitorino Nemésio

 
De quando em quando junto as recordações para morrer

Vitorino Nemésio

1.

em certo dia de outubro
trouxe a dor à minha mãe
se era dor na face o rubro
rubro era o sonho também

2.

troquei cromos berlindes e até tive
carros de rolamentos namoradas
tantas quantas no bolso os rebuçados
e até confesso aqui a caça aos grilos
e os custelos as figas o saltar
dos muros o roubar da fruta digo
das cabeças partidas dos joelhos
esfarrapados tudo num sorriso
por tudo isso eu digo sem temor
que fui uma criança bem feliz

3.

há molduras que me chamam
que me acordam na noite de um poema
poema filho poema filha
onde a palavra pai poeta diz-se
com a vaidade pura de não ter
palavras para erguer que seja um verso
um só verso capaz
de ser sombra reflexo vestígio
apenas isso
desse mor poema filho
desse mor poema filha

4.

trago a enxada com que cavo
dia-a-dia a minha cova
e trago o rio onde lavo
o sal do mar numa trova

e se mais em mim trouxer
que então seja o que vivi
porque só do mais que houver
quero a terra onde nasci

Xavier Zarco

 
Autor
Xavier_Zarco
 
Texto
Data
Leituras
2101
Favoritos
1
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
12 pontos
4
0
1
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
Liliana Jardim
Publicado: 10/10/2010 09:57  Atualizado: 10/10/2010 09:57
Usuário desde: 08/10/2007
Localidade: Caniço-Madeira
Mensagens: 4420
 Re: Sob epígrafe de Vitorino Nemésio
Ola poeta

Tem tempos que não te lia.

Gostei de te ler nesses fragmentos da vida, a partir de uma frase de alguem. num bom exercicio de escrita e de recordações saudáveis.

Beijo
Tudo de bom para ti Xavier


Enviado por Tópico
RoqueSilveira
Publicado: 10/10/2010 12:05  Atualizado: 10/10/2010 12:05
Membro de honra
Usuário desde: 31/03/2008
Localidade: Braga
Mensagens: 8112
 Re: Sob epígrafe de Vitorino Nemésio
Gostei imenso, mas sobretudo do 2. Hoje já não se brinca assim, infelizmente e as crianças nem sabem o que perdem.
Abraço
Roque