A chuva descobre o esqueleto da tarde,
Fado dos cantos fundos revela o osso frio da rima.
Tranquila em torpor de uma morte incerta, observa – o vôo dos pássaros
Em linha reta.
A chuva faz descer um corpo de plumas,
Nas asas de um desejo mudo poema.
Escava o livro das horas de Esteno.
No encontro com a vítima descarnada
(personagem)
Alma em carne do texto
Que vaga,
Por aí, nas várzeas:
Lembrança apodrecida na lama.
Fantasma do ídolo, totem desconhecido que clamo.
Criatura sinistra da ilusão ritual – mantras que entoas só,
Em um monastério natural, rico em devoções extremas.
Sem nome, me alertam: a incorporação é involuntária.
Deuses e deusas, invadem
O corpo abertura, do possível.
Troca esquizofrênica. Eu Múltiplo.
(pois Ele está em tudo, sendo nada).
Fio interminável do febril Enforcado.
Religarão com a palavra, o Verbo da Morte.
Beijo no anel da mão esquálida.
Gosto servil da taça de sangue.
Fogo no puro coração recipiente.
Carne sugada do pão duro – Não O morda
Em tua fome
Imortal.
Na catedral dos horrores,
Do amor hostilizado,
O conforto espiritual emerge d’um coro de pranto.
Este olhar de expressão violenta – suspiro de alma em imagem.
Assustados aqueles puros de maledicências.
Por este Deus impassível, que juram:
Não quer o bem, nem o mal.
E recebe todas as preces, sem pressa.
E desse
espero
Ser Contido.
(Neste amor que explica a tudo, menos a si mesmo)
"Umbigo inverso"
Certa vez, em Salvador, sofri uma "incorporação involuntária" de algum orixá ciumento, e isso me fez pensar neste poema... Como um deus africano, totalmente desacreditado por mim, pode ser capaz de tomar meu corpo e falar através da minha voz? Somos alvos de espiritos que invejam nossos corpos, e por isso temos nossos dias ruins, influenciados pela nostalgia dos mortos?