Naquelas doces primaveras
Não acreditava na despedida
Queria crescer e transformar-me
Queria viver a vida
Soltava murmúrios internos
Qual abelha em tenra flor
Achava-me dono do tempo
Mas não conhecia a dor
Mergulhava na terra qual escaravelho
Florescia em tapumes renovados
Crescia brincando com o sol
Adormecia em céus iluminados
Em casulos desenvolvia asas
Rastejava por plantas sem fim
Era ouriço de verdes pastagens
Era eu o próprio jardim
Cozinhei-me qual pão caseiro
Em lenhas aqueci meu bem-estar
Em fornos ardia e torrava
Sem nunca me queimar
Rouquejava em pequenas poças
Em pequenas pedras descansava
Nem sequer tinha pulmões
Mas respirava
Mas um dia fez-se negro
Fui baleado numa asa
Um sacho traçou-me ao meio
Uma foice tirou-me a casa
Puseram veneno de rato
Apodreci, pois, mesmo ali
Arrancaram-me pela raiz
E nunca mais cresci
Eu era chá de poejo
E não fui seco até ao fim
Colheram-me sem necessidade
E beberam do alecrim
Agora não há jardim
Não há vida em mim
Mas ainda estou aqui
Seco, rastejando na minha terra
Onde furarei o solo?
Onde tomarei do pólen?
Onde estão as flores?
Os ovos, os ninhos, as árvores?
As chuvas e geadas?
Em minha teia só caem fumos
Meu casulo está caído na estrada
Do jardim não resta mais nada