Dessa minha vila sou filho,
Da minha velha canoa sou dono,
E desse imenso mar sou só um inquilino,
Já dos meus sonhos sou escravo.
Quanto já pensei em me despedir,
Da vila, da canoa, do mar,
Dos sonhos jamais me afastei,
Sempre o carreguei na mochila,
Em cada simulada despedida.
Não largo esse mar, tenho apego a esse vento,
Essas árvores sombreiras me prendem em suas raízes,
Na sombra das palmeiras eu descanso os desvarios
E assim vou driblando os dias, a vida,
Tecendo minha rede e meus sonhos.
Nunca sonhei lugar melhor,
Em nenhum deles tem gaivotas assim pescando,
Nem esse sol que me queima a pele,
Queima também toda desilusão, toda solidão,
Nem esse vento que leva pra longe,
Toda lembrança desmedida e nua.
Aqui tem verão e amores de estação,
Vêm as donas que beijam tão bem,
Quando as levo para as capoeiras,
E elas me usam e eu as uso também.
Tem descuidos do meu coração impertinente,
Que teima reter uma visitante em deslumbre,
Mas no tecer das redes rompidas,
No deslizar nesse mar sem dono,
Vou ruminando a lógica e a lucidez,
Apagando os amores teimosos,
Deixando o coração e alma livre e solta,
Para receber as novas donas carentes,
Para afagá-los de novo e apagá-las novamente.
No ronco repedido do motor da minha velha canoa,
Que vai cortando e mar como se tesoura fosse,
Seja no vento que bate insistente no meu peito,
No respinho das ondas que quebram na proa,
Vou olhando ao longe minha vila já pequenina,
E lá vejo minha vida serena, branda e doce,
Na vila-mãe dos meus irmãos pescadores
Da minha vida e de todos os meus amores.