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E não é que ele a perdeu, assim como quem perda a vida.

 
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Ele achou que já a havia ganho, que estava tudo consumado por um decreto. Porém ele esqueceu que ela era uma borboleta, livre e louca na natureza, colorida, voando erraticamente, cheirando cada verso em flor que desabrochavam nos campos da mente, recém saída do seu escuro e cinza casulo, aproveitando a alegria do sol de uma nova vida, cheia de luz, adivinda da transmutação de larva em flor voadora. Não o culpo por se apaixonar por uma borboleta, elas são assim, em seu vôo zique-zagueante, apaixonantes.

Com as grossas mãos, que não tinham sensibilidade para sentir a delicadeza frágil das finas asas da livre falena, ele tentou aprisiona-la entre o vazio das suas mãos, simplesmente ele primeiro quis segurá-la com força, e até conseguiu, porém danificou uma das asas, sem mais voar, ela era sua, esticada, com as asas murchas. Com suas mãos imensas de homem da vida, tentou esticar a asa, rasgou mais ainda, então irritado, tentou pega-la pelo fino corpo, esmigalhou o ventre dela entre os polegares e a viu agonizar, num frêmito, o último farfalhar das asas rotas da borboleta e, por descuido, apenas por ser homem, ele a perdeu.

Ficou triste alguns segundos, depois pegou o martelo e seguiu martelando o monótono som do ferro dos dias, com a foice ceifou mais um chumaço de capim alto que brotava perto da cerca de arame farpado que ele erguia em torno do coração e com fios de verbos seguiu, resignado e sem muito lamentar, costurando os moirões de estrofes, um atrás do outro e nem mais lembrou que a borboleta um dia voou bela por um prado de girassóis, cores e versos encantados, dançando para ele nua, enfeitada de amor em seus cabelos de falena.

E quanto à Borboleta? Que importa? Morreu com suas asas rotas e com sua alma estraçalhada por um descuido de uma mão rude que não sabe cuidar. Mas antes de morrer, no seu último farfalhar de asas, sorriu e dançou para ele, conforme sabia que um dia o pobre homem quis, justo antes dele esmigalhar seu ventre fecundo com seus toscos polegares que esqueceram que a delicadeza existe, apenas por serem polegares de um homem rude que não foi cuidado e portanto não sabe cuidar. Até hoje jaz seca, com suas asas rasgadas entre as folhas de um livro chamado "Vinte poemas de amor e uma canção desesperada", que nunca foi lido.


Ana Lyra

 
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anakosby
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Enviado por Tópico
PROTEUS
Publicado: 29/09/2010 22:16  Atualizado: 29/09/2010 22:16
Colaborador
Usuário desde: 27/03/2010
Localidade:
Mensagens: 3987
 Re: E não é que ele a perdeu, assim como quem perda a vida.
Um poema sobre Borboleta...Se me permite...

BORBOLETA
Autor: Carlos Henrique Rangel

Como já disse,
"borboleta"
quero te abraçar
com cuidado
para não dobrar suas asas...
Com palavras...
Sinta-se abraçada
pelas minha
pobres palavras...
Sinta-se beijada...
Sinta-se mordida...
(de leve...)
De que cor
são suas asas...
Borboleta?
São azuis...
Tranqüilidade?
São vermelhas...
De revolta?
São brancas...
De paz?
De que cor
são suas asas...
Borboleta?
As minhas...
Tenho asas também...
Não te disse?
Mas ao contrário
das suas,
são um pouco presas...
Só um pouco...
Mas também vôo...
Baixo para ninguém notar...
(quase ninguém)
As borboletas notam...


Enviado por Tópico
rickybar
Publicado: 29/09/2010 22:24  Atualizado: 29/09/2010 22:24
Membro de honra
Usuário desde: 17/10/2006
Localidade: Rio de Janeiro
Mensagens: 197
 Re: E não é que ele a perdeu, assim como quem perda a vida.
Cada vez mais gosto de vir aqui e te ler!


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 29/09/2010 22:24  Atualizado: 29/09/2010 22:24
 Re: E não é que ele a perdeu, assim como quem perda a vida.
Acontece, por vezes, que a acção dos polegares são infelizes equívocos que nunca se chegam a desfazer.
Fantástico a tua Kurzgeschichte!
bjs
nuno






Enviado por Tópico
antóniocasado
Publicado: 29/09/2010 23:02  Atualizado: 29/09/2010 23:02
Colaborador
Usuário desde: 29/11/2009
Localidade:
Mensagens: 1656
 Re: E não é que ele a perdeu, assim como quem perda a vida.
Ola

Apaixonante história.
Como aprisionar o que voa num sentido mais universal que a liberdade, rasando o transcendente e o mistério todo?
A ilusão do aprisionamento é a mesma que os repressores tem dos reprimidos. No entanto, em cada morte, há uma miríade de asas de vida dispostas a romper os céus da liberdade em busca da perfeição, da paz e do amor.

Adorei o texto.

antóniocasado


Enviado por Tópico
Mariaa
Publicado: 29/09/2010 23:28  Atualizado: 29/09/2010 23:28
Colaborador
Usuário desde: 23/08/2009
Localidade: Braga
Mensagens: 2621
 Re: E não é que ele a perdeu, assim como quem perda a vida.
Pousa agora borboleta
na pena desta poeta
seja ela branca ou preta!

UM TEXTO BRILHANTE
QUE PÕE A GENTE PENSANTE!

N BEIJOS E MIL ABRAÇOS
SIDERAIS DA AMIGA AO DISPOR
Maria«*+*» «*+*»


Enviado por Tópico
GeMuniz
Publicado: 29/09/2010 23:31  Atualizado: 29/09/2010 23:31
Membro de honra
Usuário desde: 10/08/2010
Localidade: Brasil
Mensagens: 7283
 Re: E não é que ele a perdeu, assim como quem perda a vida.
Muito bom mesmo Ana... Prazer em ler um texto assim. Este homem realmente não sabe o que é uma borboleta... Mas em compensação a borboleta não sabia o que era um homem... A velha natureza e os seus entraves e mistérios. A vida trará mais homens e borboletas... É belo e trágico...

beijos!


Enviado por Tópico
MelMartins
Publicado: 30/09/2010 01:37  Atualizado: 30/09/2010 01:37
Colaborador
Usuário desde: 02/06/2010
Localidade:
Mensagens: 941
 Re: E não é que ele a perdeu, assim como quem perda a vida/PARA:ANALYRA
Ana é um prazer-te ler-te poetisa querida, tens a capacidade e a sensibilidade de uma bela borboleta que voa livre e apenas é admirada e contemplada sem que seja aprisionada, voa linda borboleta, voaaaaaaaaaaaaaa....

Beijinhos

Alice BARROS