Ainda o meu canto dolente
e a minha tristeza
no Congo, na Geórgia, no Amazonas
Ainda
o meu sonho de batuque em noites de luar
ainda os meus braços
ainda os meus olhos
ainda os meus gritos
Ainda o dorso vergastado
o coração abandonado
a alma entregue à fé
ainda a dúvida
E sobre os meus cantos
os meus sonhos
os meus olhos
os meus gritos
sobre o meu mundo isolado
o tempo parado
Ainda o meu espírito
ainda o quissange
a marimba
a viola
o saxofone
ainda os meus ritmos de ritual orgíaco
Ainda a minha vida
oferecida à Vida
ainda o meu desejo
Ainda o meu sonho
o meu grito
o meu braço
a sustentar o meu Querer
E nas sanzalas
nas casas
no subúrbios das cidades
para lá das linhas
nos recantos escuros das casas ricas
onde os negros murmuram: ainda
O meu desejo
transformado em força
inspirando as consciências desesperadas.
Antônio Agostinho Neto, poeta angolano, In: Sagrada Esperança