Na medida em que a vida vai passando, na proporcional medida em que o tempo transcorre, vou aprendendo sempre mais, vou acumulando um pouquinho mais de conhecimento, de experiência e as vezes me vêm a pedante impressão de que já vi quase tudo. Mas no instante seguinte, caio na real, tomo ciência da realidade, da velocidade e da dinâmica dos acontecimentos e bem sei que todos os dias, todo instante estamos nos defrontando com coisas novas, fatos novos, impressões novas e até incompreensões novas.
Existe, contudo, um fato do qual, quanto mais o tempo passa, quando mais eu penso, reflito, questiono, indago, não consigo entender nem obter explicações. Aliás, conclusões até consigo e que me parecem tão lógicas, porém, não a ponto de se fazer valer como exeqüível.
Principalmente nessa fase de pré-eleição, com toda essa parafernália de propaganda e discursos políticos, com promessas de toda ordem e desordem, com gente abordando todas as soluções, milagrosas ou não, falsas ou não, hipócritas ou não, nem mesmo nessas horas escuto alguém falar claramente, objetivamente, do que se poderia fazer para que haja fixação das pessoas que vivem no campo.
Fala-se e promete-se mais eletrificação rural, escolas no interior, transporte escolar na área rural e toda ordem de coisas. E olha que tem havido uma baita evolução nesses aspectos. E porque as pessoas, os meninos e as meninas que vivem na área rural continuam sonhando, continuam formando sonhos de um dia virem para a cidade grande?
Que mistério é esse? Por que esta forma torta de considerar que as pessoas que moram na área rural, que moram no sitio, são menos cultas ou menos felizes? Ou menos sei lá o que? Porque os meninos e as meninas continuam tendo complexos em serem caipiras, em serem habitantes das áreas rurais, do interior? Porque esse complexo de inferioridade, essa necessidade de crescerem para fugir para os grandes centros?
Falo de meninos e meninas, porque o êxodo rural é uma praga que assola nosso país há muitos anos, décadas, e por mais que se faça, por mais que se discuta, não tem solução, pelo menos não até agora. Cada dia os grandes centros inchando mais e as pequenas cidades e principalmente as áreas rurais ficando mais vazias.
Temos alguns fatos conhecidos que dificultam nossa evolução nesse sentido, como a teimosia da lentidão, para não dizer paralisia, da reforma agrária; temos ainda uma grande e desgraçada exploração da mão-de-obra rural. Temos ainda a evolução da tecnologia na produção agrícola que diminui a demanda de mão-de-obra. Temos a exploração do capitalismo cada vez comprando mais e mais terras para atender as vaidades pessoais dos doutores e exploradores das cidades grandes. Temos também e ganância degradando as áreas rurais e deixando-as menos férteis. Mas tudo isso também ocorre nos grandes centros industrializados e nem por isso as pessoas deixam que continuar correndo e se acotovelando nos centros urbanos.
Não entendo mesmo o porquê dessa involução. Não entendo. Com quase todas as pessoas que conheço e converso, com idade mediana para cima, falam com orgulho e saudade, muitas vezes até com certa mágoa e até dor, quando não arrependidas, de terem deixado o interior para vir atrás da ilusão da cidade grande. Quando mais converso e escuto os desabafos, mais história bisbilhoto sobre o orgulho da criação, da formação no interior, nas pequenas cidades, nas pequenas vilas, menos compreendo esse vício social do êxodo rural.
Vejo tantas campanhas de cunho social, das mais diversas vertentes e intenções e nunca vi nada que tente efetivamente reverter essa corrente contínua e irreversível. Queria ver, juro que queria, em meio a toda essa campanha política, um tempinho que fosse para enaltecer os valores das pessoas que continuam morando na área rural. Que evidenciasse os valores e os privilégios da vida do interior. Que tentasse, de forma educativa, fazer os meninos e as meninas que moram na área rural, sentirem orgulho disso, dizendo que o sonho de crescer e ir para a cidade grande é pura, boba e burra ilusão.
Que os meninos e meninas que moram no sítio, nas áreas rurais, são muito, mas muito mais privilegiados, tem uma vida muito mais rica, muito mais tudo, que os meninos e meninas que vivem na cidade. Queria ver campanhas educativas, dirigidas aos meninos e meninas que vivem nas pequenas cidades, felicitando-o pelos seus valores e pela felicidade que lhes são muito mais palpáveis se ficarem, se permanecerem onde suas raízes já estão fincadas.
Queria sim ainda ver isso um dia. Somente se fazermos alguma coisa junto aos meninos e meninas do interior, de forma que diminua esse auto-flagelo, essa vergonha de ser caipira, conseguiremos diminuir o exército de meninas de meninas de rua que vivem à margem da sociedade, a mercê de toda vida ingrata que lhes espera no futuro.
Não consigo entender porque ainda não se fez nada nesse sentido. Enfim, o assunto é tão grave, tão fundamental para a efetiva melhoria do contexto social do país, que definitivamente não entendo porque nunca se fez nada, em termos de orgulhar os meninos e meninas do interior pelo simples fato de serem do interior.
Se eu tivesse recebido uma carga de informações, quando ainda menino, sobre o lado bom de viver no interior, não teria saído de lá. E ainda hei de voltar. Mesmo que tardiamente; mesmo não sendo mais menino.