Poemas : 

O BARDO E A NOITE

 
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A noite fria entrevejo, e, sem espírito versejador,
Com agudo sentimento, a furtar-me a alma-vate,
Renovando a áurea mística tento, sem que a ampulheta
Me esgote a persistência, soerguer o espírito...

Não vejo “corvos”, nem sequer “albatrozes”,
Mas, o pelejar sinto, com velhos anseios e novos,
De resquícios e vozes, em turva noite,
Deixando-me o peito abrasar...

Quão a falta de luz me envolve o espaço,
Lidando com tragos, fumos e fogo;
É denso, pois, o puro ar que tenta entrar,
Na ausência do tempo me foge o escopo...

Ciências despertam mistérios e artes,
Do leigo andante confundem o pensar,
Expandem a vigília de loucos e vates,
As vidas em guerras supunham cessar...

Em vestes que cobrem solitários atos,
Ofuscam a clareza que parte do mar,
Demônios e Deuses já ultrapassados,
Criminoso pulso duma ação vulgar...

O céu, agora, desfecha, em prantos,
Suas esfalfadas flechas, talvez vívidas,
Outrora, diriam gélidas, ou fugazes,
Sobre tetos que, ardentemente, o aguardam...

Do retorno poderá ser o passo,
Na cidade fantasma, então...
Ou ao pescoço restaria um laço,
Ou ventre infértil, sem ação...

Continua a marcha, é bem verdade...
E corpos envoltos se aglomeram,
Numa vertente fumegante e ilusória,
Em contexto no qual a disparidade
Ajunta-se ao real sentimento de vida...
E um sopro de desejo recria, sem o notar,
Algo que os sentidos percebem.

Vindouros tempos... ah!
Noite bem-vinda destes seria...
Não será... porventura...
A mim, sem uma “tabacaria”,
A outra sonhadora criatura...
Vida... Vida que não sacia?
Fruto do desenrolar febril
Duma existência pela vontade legada,
Pelo erguimento dum sonho motivador?

Febo, também, por aqui dorme,
Tranquiliza sua grego-romana criação
No alvitrar dos bardos inclinados
À sua estenosa contemplação...

A Natureza, entrementes, perfeita a seu modo,
Descansa em mim seu impiedoso cansaço,
Ao terminar escrevendo em descompasso,
Enquanto o animal vil se me apresenta ser
O que lhe anima a consciência: o nada.
Vomite – eu lho diria –, e haverá alguém
A destinar-lhe tamanho apreço, por isso...

Cai noite amena, rogo-lhe, portanto,
Em minha diminuída suposição...
Cai, tal qual madura fruta que despenca...
E o seu consuma virá, senão
Tão logo deixada à mostra...

Um dedicado cigarro mais à noite,
Donzela velada, torturante,
Cadavérica laureada, despojada,
No semblante deste bardo que a contempla...
Oh, noite prostituta,
Carnes roçadas, quantas foram?
Ventres perdidos, quantos?
Oh, noite babilônica...

Tão complexa quanto minha mente,
Percebo-a viril, vezes outras mortal,
Visão curadora – será minha fada quente?
Luz vulgar, atuante em meu sarau?

Mandar-me-á ao inflexivo e paradoxal
Arco que ora me fala o pobre espírito,
Numa feita de certa indecisão,
Não me remetendo ao Nada...
Por merecimento ou receio profundo,
Vez que, contudo, me eleva ao ser
Vulnerável e pregador de fantasmas,
Fatigados por advirem de meu ego,
Que, tristemente, se desfaz ao anoitecer...

Acasala-se ao meu ego, noite vil,
Substantivos fundidos em minha insônia,
Na saudosa fronte duma peleja errônea,
Incessante e provida de atavio,
Com o qual meu haver me fixa
À maneira de ser do poeta que sou,
Ocultando-me o abismo pelo qual
Renasço, noturnamente mal...

Irrompe o beijo da noite noutro tempo iluminada,
Cobre-me a alma o juramento feito às estrelas,
A cobrar-me realização da palavra sonhada,
Qual noite prescinde a escuridão...

Canso, e por fatiga compreendo minha vida,
Como os inferiores animais se determinam,
E, em diante, voam os “Astronautas do Espírito”,
Repousando em minha lembrança seus feitos.

Minha reminiscência e eu, eu e ela, logo,
Seres pequeninos, às vistas dos parasitas,
Sonhamos, em noite talvez vã...
Em nossas vielas, além do mais, há beduínos,
Igualmente, há velas que queimam em louca manhã...
E sinos que soam em desarmonia,
Quais doentios pássaros e grandes felinos,
Por dentro da noite em infind’agonia.

 
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Renneé
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