Poemas : 

Deus e diabo na face da terra, na política e no sexo

 
Eu não sou muito de ficar discutindo essas coisas de religião, futebol e política, mas, para a minha desgraça, parece que onde quer que eu vá sempre vai haver alguma coisa que se refira a esses assuntos, e, se assim tudo se processa, então vou eu dar a minha opinião bem sincera.
Eu detesto essa forma de o brasileiro se comportar religiosamente. Odeio mesmo, e me refiro ao brasileiro, ainda que saiba que nossa herança religiosa é proveniente das culturas europeia e africana, não me atrevo a falar dos povos que atualmente habitam esses lugares, pois eu convivo mesmo é com os brasileiros.
Vamos ver se me faço entender. Fui ao cabeleireiro para que esse desse uma tosada em minhas curtas madeixas, e o demônio da televisão estava ligado. Ali observei que era exibida uma dessas novelas que são verdadeiros desserviços à cultura popular. Ao que pude entender, a droga do folhetim tinha como tema o espiritismo.
Quando eu era um moleque de uns vinte anos de idade, entrei numa de desvendar esse segmento religioso; li tudo que achei de Allan Kardec; o cara escrevia muito bem; dizia que sua doutrina não era uma religião, mas um entendimento dos fenômenos espirituais fundamentado em preceitos científicos. Até aí, tudo bem. Li o livro dos espíritos, o livro dos espíritas, e o espiritismo segundo Kardec; também li inúmeros outros títulos de outros autores. E percebi a primeira merda dessa forma de pensar nossa existência espiritual: todos diziam que cada um de nós expia seus crimes passados, e que tudo o que nos acontece nessa vida é fruto de escolhas nossas, com o único fito de quitar dívidas espirituais de outras vidas. Aí, resolvi ser científico também, e pensei: se o que acontece nesta encarnação é obra de nossas escolhas, e as merdas que nos acontecem são uma forma de pagamento de culpas passadas, então quem me ferra nesta vida virá em outra encarnação e será ferrado por outro miserável, e esse terá que voltar para pagar por seus crimes, o que gerará um ciclo infinito de reencarnações só com o objetivo de sofrimento e expiação de pecados cometidos. Dessa forma a vida só teria a função de causar dor e sofrimento em prol do pagamento de dívidas espirituais; e pior ainda, eu deveria agradecer a toda essa corja de corruptos, ladrões e malfeitores porque, na verdade, ao me causarem um monte de danos, me ajudam a pagar minhas dívidas.
Daí que resolvi dar uma olhada em algumas religiões africanas praticadas aqui no Brasil, e me deparei com a umbanda, o candomblé, e algumas outras de nomes esquisitos, mas formato bem semelhante aos demais. E veja só, essas religiões pregam a existência de várias entidades ligadas à natureza, senhoras das variações climáticas, das chuvas, dos rios, dos mares e das matas. A relação entre o fiel e essas divindades é de favores e de dependência; as divindades não existem sem os seus crentes, e esses não podem muito sem suas divindades; há também vingança entre os fiéis e os espíritos, assim como uma troca de favores: bens materiais por serviçinhos no mundo espiritual, os quais se refletiriam no mundo dos vivos. Então veja só que loucura, tudo vira uma enorme disputa entre fiéis e entidades divinas, quem pagar mais ganha mais, quem fizer a primeira encomenda, será atendido antes e levará vantagem em relação a um seu desafeto. Fica tudo no mano-a-mano, guiado pelas veleidades tanto de seres humanos quanto de entidades divinas.
A essa altura me vejo obrigado a lançar os olhos grandes de moleque curioso sobre o cristianismo e suas manifestações em religiões como a católica e as aparentemente infinitas protestantes. Não cabe aqui um resgate histórico da formação dessas, até porque não tenho tamanho conhecimento, mas é bem interessante analisar as formas de comportamento intelectual cristalizado por trás da crença cristã. Primeiro acredita-se em um deus onipotente, onipresente, onisciente – parece até coisa da CIA -, e eu me ponho a ponderar: esse deus não pode existir, pois que é inconcebível ao meu parco intelecto. Por outro lado, dizem que o pobre é à semelhança do homem, claro, dizem isso numa composição frasal inversa – o homem é à imagem e semelhança de deus -, numa clara tentativa de disfarçar a arrogância e prepotência de quem formulou essa ideia, pois veja só, se somos à semelhança de deus, então somos onipresentes, oniscientes e onipotentes... E eu ainda tento poder deixar de pagar tantos juros aos bancos... Cadê a minha onipotência?!
Agora, o que realmente me chama a atenção, é essa charlatanice pregada de forma universal por todas as crenças e religiões que citei e outras tantas que nem preciso citar. Que charlatanice é essa? É essa terceirização das nossas responsabilidades, essa negligência coletiva, e essa preguiça geral de pensar; fora o fato de haver-se criado um comércio extremamente rentável por trás da venda de promessas de construções fáceis, futuras, no mundo etéreo das crenças religiosas.
Vejamos como isso se dá. Certamente o leitor já ouviu as expressões: “se deus quiser”; “graças a deus”; oxalá”; “estava escrito”; “era a sua sina”, e aí por diante. Veja só como essas falas, as quais representam uma maneira de ser da nossa crença religiosa, jogam a responsabilidade dos nossas atos e escolhas em entidades que nem estão aí. Se deus realmente tivesse feito o mundo, e tivesse dado inteligência ao ser humano para que esse fizesse desse mesmo mundo o que quisesse, o que levaria deus a ficar pentelhando e sacaneando com todo mundo? Colocando uma tragédia aqui, uma catástrofe ali, um castigo cá, uma dádiva pessoalista acolá? E se deus é pai de todo mundo, por que razão ele iria privilegiar alguns e jogar na merda todo o resto, que é a maioria?
Observa-se nessa postura religiosa do Brasil que deus está a serviço de alguns eleitos. Também podemos notar que deus se consubstancia em tudo o que dá errado, vira castigo, e razão do que não tem nenhuma razão de ser. Olha, chego mesmo a ter pena de deus: como o pobre tem que dar duro para garantir lógica nessa loucura ilógica que são as construções sociais humanas: um tiro no beco – foi deus quem quis assim -; um ladrão no congresso – deus o pôs ali -; uma criançinha é estuprada – faltou deus no coração do monstro estuprador -; explode uma guerra – deus se ausentou da vida daquele povo belicoso (mesmo sendo onipresente) -; o fulano ficou rico, mesmo sendo um vigarista de marca maio – deus o abençoou -; mais da metade do povo brasileiro vive abaixo da linha da miséria – deus tem seus planos para essa gente -; e aí vai, continuamos terceirizado nossa responsabilidade, incutindo a ideia de que o que acontece entre os seres humanos nada tem a ver com eles, mas com nossas divindades.
Ah, ainda tem o céu e o inferno, apresentados de formas diferentes conforme a doutrina, a crença, ou a fé, mas que no final é a mesma ideia. Acho mesmo que por eu estar escrevendo este texto irei para o inferno; mas não me importo muito; confesso que tenho um certo receio desse deus vingativo, afinal foram tantas guerras em seu nome. E o papo cristão de que todo ser humano já nasce marcado pelo pecado original? Caramba, ser culpado por que meu pai e minha mãe fizeram amor para que eu fosse concebido?! E o pior é que o primeiro casal, ainda no paraíso, já conseguiu fazer um pecado que recaiu sobre toda a humanidade (e eles só deram uma!!). Sabe, começo mesmo a desejar o inferno; ainda mais se algumas pessoas que conheço (e sei que vão para lá) ali estiverem quando eu for. A equação que me leva a essa ideia é simples de se fazer; calculemos: segundo o espiritismo, para eu ir para o céu, terei que ficar reencarnando até eu pagar todos os meus pecados, dos quais nem mesmo eu posso me lembrar, mas que tenho que aceitar bonzinho; e ainda corro o risco de fazer alguém pagar os seus pecados, e aí eu ficar em maior dívida por ter feito esse alguém pagar seus pecados e com isso aumentar a minha dívida; ah, chega! Se eu continuar, não acabo nunca; o inferno é mais simples. Vamos às religiões africanas: nem dá para saber o que é o céu ou o inferno, porque tudo depende das minhas boas ou más relações com as entidades; daí que, para viver num pretenso paraíso, tenho que ficar bajulando entidades caprichosas por toda a eternidade, pois, se não os agradar, sua ira se recai sobre mim, e, se no além tiver algum desafeto meu que saiba de mim antes que eu saiba dele (ou dela), e resolva se vingar de mim, eu estou ferrado. Ah, não, não dá; continuo preferindo o inferno. Agora vamos pensar no céu e no inferno cristãos: se eu for para o céu, vou me deparar com essas senhoras frígidas, que têm horror a sexo; vou ter que conviver com aqueles caras bonzinhos, que nunca roubaram goiaba no quintal do vizinho; estarei sempre vigiado por um deus vingativo que adora castigar as pessoas; e sempre estarei rodeado de gente que tem horror a pensar e que vive dizendo: “é assim e pronto!”. Credo, o céu cristão é um inferno! E, por falar no dito cujo, e se eu fosse para o inferno cristão?... Sofrimentos eternos! (mas até que eu gosto quando ela me dá umas mordidinhas...); as chamas das profundezas! (para quem mora em Mato Grosso, isso até que não assusta tanto); tudo o que há de pior na humanidade! (mas eu penso, tem coisa pior que político profissional brasileiro? E toda essa raça vai para o céu...); além do mais, o inferno estará cheio de gente que tem libido, os pensadores vão para lá, essa gente que fica dizendo que deus fez isso e aquilo vai estar no céu...
No fundo, eu não quero nada disso para mim, nem céu, nem inferno, mas, se tiver que escolher, sei não, deus, mas...
Brincadeira aparte, eu realmente detesto esse nosso modo de viver a religiosidade inerente ao ser humano, essa coisa de jogar as responsabilidades para os outros, e colocar a culpa em deus e no diabo, ou em outra entidade qualquer, quando, na verdade, pode haver, no mundo, criatura mais culpada pela condição humana, que o próprio ser humano?...



 
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Arcanjo
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