Olho-te e percebo que me olhas, por duas vezes, nunca apercebi-me que havia reparado em ti até o momento que apercebi-me que tinhas reparado em mim, afinal o olhar foi profundo, agarramos nossos olhos pelo tempo suficiente para não haver mais nada naquele café naquele instante a não ser eu, tu e nosso olhar.
Mulher simples, corpo magro e estatura baixa, roupas baratas e ruçadas, já esqueceste-te do que é ser mulher, o batom não pinta-te os lábios, os brincos não enfeitam-te as orelhas, teus modos já não tem feminilidade mas… há algo em ti, és rude, tens uma “casca grossa”, seria difícil desejar-te, mas… és bela, teu andar é o andar de quem se movimenta, mais nada, sentas-te sem charme ou glamour, falas banalidades como todos mas sem aquela futilidade incompreensível para todo homem que torna a mulher tão interessante, percebo porquê nunca apercebi-me de ti, não havia nada para aperceber-me de interessante até olhar para os teus comuns olhos castanhos.
Já havia tomado meu café, vinha-me embora, não lembrava do gosto da bebida, não lembrava-me porquê tinha ali parado nem das paginas do meu livro lidas, lembrava-me dos teus olhos, mais nada, então pintei teus lábios, coloquei-te brincos, mudei tuas roupas, toquei no teu corpo e chamei-te de mulher.
Olhei para meu andar pesado, minhas sapatilhas cansadas e a roupa tão igual a de ontem que não sendo um uniforme fazia o papel de um uniforme, e só desejei o quase nada de ser chamado de homem.