Cobre-me!
Cobre-me do manto branco e traz-me,
traz-me a enormidade que brilha
no teu olhar. Ilumina-me,
ilumina-me até o dia raiar
ilumina-me a alma,
a quimera da temperança
nesta estação do nada, esperança-me
esperança-me!
Esperança-me na tua esperança
inacabado aprazer de madrugada eterna
faz de mim tua amada,
tua graça e cauciona-me,
cauciona-me! Cauciona-me nova era
e que seja ardentemente belo
esse lugar
mas não deixes de orvalhar,
rega-me flor olorosa
rega-me! Rega-me como terra sequiosa
e nas horas mortas dá-me um abraço,
abraça-me, abraça-me e acende,
acende-me essa fogueira
que vejo arder no teu vislumbre,
afogueia-me com teu olhar,
com teu ar de lua cheia e reza,
reza sem embaraço e acena-me!
Acena-me nem que seja a única vez,
acena-me com teu jeito dócil
numa cena qualquer, acena-me
muda minha arena pigmentada da cinza cor
que vai de marcha lenta
como se fogueira fosse ardor
ou forma gritada que grita, grita-me!
Grita-me sem medo e sem medo
da serenata arriscada da alvorada
donde nasço cresço e morro, mas grita
e canta, canta-me rios brados
de segredos enamorados
mesmo que iludidos
em esgrimas querelas desiludidas
mesmo que dedos esbarrem paredes
com taças de vinho branco,
e morde os momentos, morde-me se morro a vida!
Morde-me! Até que sinta que valeu a pena
e deixa, deixa que dedos soltem
os cabelos do vento afável enquanto morro
afundada em tuas lágrimas dolorosas,
mas abraça-me, abraça-me o encanto
enternecido, voraz e alheado
esquecido sentimento e faz da temporada
uma luz amais e serena que escurece meu dia,
escurece minha alma, escurece-me
quando a noite cai vazia e triste, fria
renova-me. Renova-me!
Renova-me noutro dia fora desse frio orno
e traz-me, traz-me de volta ao desassossego dúbio
mesmo que dissemine num espelho
esse teu afastado horizonte.
(encarnei-me hoje poeta no desassossego)