Tenho sono
Não sono de dormir
Sono de tédio
Mas ao mesmo tempo não desejo sair deste confortável estado de solidão
Uma inércia tão grande toma conta de mim
Não desejo ninguém
Não quero ver ninguém
Nem meu rosto ao espelho que mostra a barba que deixei dias e dias por fazer
Olho a minha volta sabendo que não verei nada do que não vi a pouco quando fiz o mesmo movimento
O dia é claro
Dia de sol, é verão
Na praia alguém se diverte
Alguém ri
Brinca
Mas eu prefiro estar aqui na sombra da minha casa empoeirada
Aborrece-me tirar o pó sendo que eu sinto-me cheio de pó
Não vesti-me
Permaneço com a roupa com que dormi
Não liguei o rádio
Para quê?
Sai da cama em direcção a cozinha para comer algo mas perdi-me pela sala
Fiquei no sofá a encher meu cinzeiro
Não abri janelas
Mesmo não estando morto sinto que morri
Mas tanto, tanto, tanto que vivi
Que apetecia-me ter morrido num desses dias cheios e felizes da minha vida
Qual cheios e felizes?
Sempre carreguei uma enorme tristeza dentro de mim
Desisti de livrar-me dela
Entreguei-me a ela
Porquê não
Ninguém consegue ser quem não é
E se eu sempre fui triste
Porquê hoje e daqui por diante deixarei de ser
Não será a felicidade o reconhecermos o que somos e gostarmos do que somos
Pois eu gosto de ser triste
Gosto do tédio e da solidão
Não me venham dizer estas com má cara
Roubar-me o prazer de não fazer nada
Privar-me da minha solidão