E quantas são as manhãs que após o despertador tocar desejo que mais um dia passe rápido para voltar ao mundo dos sonhos, farta-me essa realidade quotidiana e banal, quero uma dose mais de ilusão sem que seja ilusão, mas… já não encontro, percorro o cominho habitual até o duche de forma automática e rezo para ter fé, como pedir com fé a fé que não tenho? Vida monótona, maldito seja o dia que resolvi conhecer-me, que resolvi ler, que descortinei os milagres e entendi o movimento do universo, hoje mesmo sabendo como aborrece-me o movimentar, quero estar parado, estático, não quero ser obrigado a vestir-me, fazer a barba, ver pessoas, as pessoas são chatas, não se deixam conhecer, pelo menos o papel higiénico da minha casa de banho deixa-me saber mais sobre ele, presta-me um serviço e principalmente não reclama, todas pessoas tal como eu escondem-se no mais fundo desejo de que alguém a descubra, mas quanto mais a descobrem mais escondem-se, vivem nesse desejo enorme e ao mesmo tempo impossibilitando que alguém realize esse desejo, deve ser por isso que há necessidade de haver um Deus, gosto tanto de fechar os olhos e voar, voar é bom, mas de que serve se acaba-se sempre por aterrar, a piada da viagem está no caminho, na partida, não na chegada, e entrego-me ao duche, mais um dia banal que ai vem, mais noticias essencialmente iguais as que passam todos os dias ouvem-se pela rádio, os mesmos rostos, tudo parece sempre tão igual mas tudo é sempre tão diferente, ninguém vê, ninguém quer ver ou finge que não vê, hoje o toque que dei nas costas dela demorou mais um quarto de meio segundo, meus dedos fizeram uma pressão ligeiramente superior, olhou-me, sorriu-me e como sempre cumprimentou-me com seus dois beijos próximos aos meus lábios, senti a pressão da sua mão a agarrar meu braço, como sempre, desejos proibidos que não podem ser concretizados, tanta coisa impede mas nada impede de quando chegar a casa no final da noite imagine que é real o que na verdade não desejo que seja real, apenas desejo que o desejo permaneça, impossível, intangível, a tentar-me em cada encontro, entro no carro, mais uma ida para o trabalho, mas umas horas que vendi para serem pagas no fim do mês, afinal temos todos de comer, mas as pessoas para viverem não precisam só de comida, cada qual precisa de algo mais, tão diferente e tão igual como a personalidade de cada um.