No quarto frio, acendo um fósforo e ilumino o pavio gasto de uma vela.
Uma folha branca e uma caneta esperam por mim. Que eu escreva aquela carta que há tanto tempo tenho vontade de escrever. Mas não sei por onde começar. Faço mil malabarismos e nem uma ideia. Aquele pedaço de papel branco está ali e eu nada faço para o ajudar.
Venho à janela olhar o céu. Procuro a inspiração nas estrelas. Mas, esta noite nem elas me conseguem ajudar, penso em voz baixa.
Saio de casa por momentos. Vagueio no meio das laranjeiras floridas do meu quintal e olho com carinho aquele canteiro de tulipas que a minha mãe trata como meninas mimadas.
Lembro as coisas belas da vida, iluminado por uma noite linda de lua cheia. Corro para casa, para o quarto, para não deixar fugir aquele raro momento de inspiração. Quero começar a escrever.
Sento-me à luz da vela. Mas, ao pegar na caneta os meus dedos paralisam e o pedaço de papel branco continua esperando por mim. Definitivamente esta noite não consigo escrever.
Abro a cama. Vou-me deitar depois de um copo de leite gelado.
Ao abri a porta da cozinha, estremeço, com o som de uma campainha. Levo breves momentos a perceber que o som vem da porta principal. Nunca tinha percebido que aquele som era tão arrepiante.
Tenho medo de saber quem é àquelas horas da noite. Mas abro a porta. E ela está ali, à minha frente, a fonte da minha inspiração, a minha razão de viver. Cabelos esvoaçando à leve brisa da noite, olhar meigo carinhoso e profundo. Percebo nos seus olhos as saudades que teve de mim.
Abraço-a carinhosamente, tocando levemente os seus lábios, trocando um beijo subtil.
Agora já não preciso de escrever aquela carta. Basta-me dizê-la em voz alta.