I
O que tens a me dizer agora
Que já vai alta e avançada a hora
E as nossas almas tanto se confundem?
Se ao calar-me surge o teu nome
E um calor em brasa me consome
Sob as lembranças todas que nos unem.
No quarto as horas, em insônia, voam.
No dorso meu as noites se amontoam.
II
E eu que nem sombra sou de Atlas,
Pra sustentar a noite e estrelas altas
E nem a lua cabe em meu sorriso,
Fico a rolar pelos lençóis, insone,
Qual pena leve n’olho do ciclone,
Perdendo o sono ao soar dos guisos.
E os latidos dos cães ao longe ecoam;
E as horas todas no teu mar escoam.
III
Pelas marolas vão meus pensamentos,
Como jangadas ao sabor dos ventos
Que atormentados sopram-lhes as velas.
Em plena madrugada vou singrando,
Os ventos irascíveis vão uivando
Nos meus ouvidos, alto, o nome dela.
As horas todas feito vagas soam.
Na arrebentação rugindo me atordoam.
IV
Agora em meu leito como náufrago,
Sentindo, da ausência, o toque áspero,
Vou recolhendo o que restou de saldo:
Uma imensa dor, um modo trôpego,
No rosto opaca cor, um pulso rápido...
O que sobrou de mim sob o rescaldo.
As horas todas queimam, incendeiam;
As minhas cinzas soltas devaneiam.
V
Quando ao amanhecer a brisa leve
Me presenteia com um sono breve,
Vejo-me em sonho a beijar-te a face...
E a penumbra ganha colorido,
E o meu olhar se enche de sentido
Sobre o calor divino desse enlace.
As nossas horas todas se confundem
Sob as lembranças tantas que nos unem.
Frederico Salvo
(republicado)