não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu
trago-me às costas desde um tempo em que não me compreendia, sabia apenas que para além da cama que me albergava as dores havia um jardim onde ainda eu ria – era domingo - o sol neste dia. crescia com vozes que nunca ouvia. e dentro das manhãs os passos cresciam por corredores de sonhos – havia gente a passar por um chão ainda estremunhado. as passadeiras enrodilhavam-se apenas pelo som dos novos andares – era domingo – neste dia. o pijama era a última peça a despir. a manhã não podia ter fim – faltava ainda o cheiro de um fogão. assava a diferença. e nas mãos que corriam sempre sobrava uma para me acenar – era domingo – no meu quarto os lençóis brancos imitavam a cor dos meus pensamentos – havia tudo no meu quarto. a macieira no lugar da mesinha de cabeceira. do outro lado. um ramo de laranjeira crescia de dentro da gaveta das meias – no tecto. caiam grinaldas verdes. pingavam gotas de orvalho. a noite tinha acabado. o calor ardia – no lugar da cama o mar. baloiçava-me como se fosse um baloiço. aos pés. o peluche era agora a gaivota. cinzenta. no peito uma mancha branca. as asas cobriam todos os meus sonhos – as lágrimas tombam mortas – hoje estão encerradas num túmulo do soldado desconhecido. mas a minha gaivota. continua a voar. todos os dias vos dá um pedaço de mim. deste. que fala por cada palavra que decepa a razão. deste. que de mãos vazias vos entrega a alma – tratem-na bem – agora tenho que chorar.